MAI revela parte de capítulo com histórias de sobreviventes

Sobreviventes revelam que decidiram sair de casa porque faltou água e bombeiros ou porque sentiram pânico. Familiares das vítimas vão ter acesso a documento na próxima semana.

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Adriano Miranda

O capítulo que relata as circunstâncias da morte de várias pessoas em Pedrógão Grande vai ser dado a conhecer em parte aos familiares na próxima semana. O documento, que de acordo com o autor relata falhas na prestação de socorro, foi esta sexta-feira divulgado em parte pelo Ministério da Administração Interna (MAI), mas apenas os dados referentes a sobreviventes. Nesses relatos, várias pessoas contam em que circunstâncias decidiram sair de casa e revelam que faltou água e electricidade, que não havia bombeiros presentes ou ainda porque viram outras pessoas sair de suas casas e tiveram medo dada a violência do incêndio.

Nas 14 páginas divulgadas no Portal do Governo – depois de o ministro da Administração Interna ter prometido que publicaria a parte a que estava autorizado durante a tarde – são contadas as circunstâncias em que algumas pessoas sobreviveram no incêndio, sem qualquer nome associado. É dito, por exemplo que houve várias pessoas que se refugiaram em tanques de água, mas também que acabaram por ultrapassar o incêndio porque decidiram ficar em casa ou porque por vários motivos não a puderam abandonar.

É também listado o porquê de muitas pessoas terem decidido abandonar as suas casas. E se há casos em que alguns fugiram com sucesso das chamas, os testemunhos permitem perceber o enquadramento com que muitas pessoas decidiram fugir e acabaram por ser vítimas da violência do fogo.

Diz o documento que as algumas pessoas relevaram que decidiram fugir por causa “do aspecto do incêndio, do vento e do ruído que produzia, que pareceu ser fora do comum e de ter uma capacidade de destruição que aterrorizava as pessoas”; da “sensação de que o fogo iria destruir as casas todas da aldeia”; da “noção de que a casa em que estava era vulnerável”, por ser antiga ou por ter muita vegetação em volta”; por terem em casa “pessoas com problemas de saúde, incapacidades motoras, crianças ou idosos” ou por “não haver bombeiros presentes”. Além destes motivos, várias pessoas relataram casos de falta de água, de electricidade e o factor imitação. Ou seja, dado o pânico, viram outras pessoas a sair e decidiram fazer o mesmo.

É necessário "saber o que se passou"

A divulgação do relatório completo do Centro de Estudos de Incêndios Florestais, liderado pelo professor Xavier Viegas, é uma das batalhas da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) que quer a divulgação de todo o documento. Para os familiares, é "de toda a justiça para o país saber o que se passou" em Pedrógão Grande, disse ontem Nádia Piazza, presidente da associação depois de uma conversa com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

Os familiares das vítimas querem que o documento seja conhecido, mas isso não significa que defendam que este deve ser conhecido por todos do modo como está escrito por Xavier Viegas. Nádia Piazza admite que tem de haver regras na divulgação e ao PÚBLICO membros da associação admitiram que é preferível reformular para que não seja chocante. Lembram que os familiares das vítimas estão "em trauma" e que é preciso cuidado na revelação do documento.

Esse cuidado vai reflectir-se numa autorização que irão dar para que a história do familiar falecido seja divulgada. Na próxima semana, todos os familiares serão contactados para poderem dar ou não o consentimento. "Quem tem de decidir quem tem acesso e a quê devem ser os próprios familiares. O que se passou em Pedrógão deve ser do conhecimento de todos os portugueses. É essa a nossa vontade. Houve falhas e essas falhas devem ser conhecidas", defendeu Piazza.

Nos últimas tempos, a AVIPG queixou-se do apoio psicológico que os familiares das vítimas têm recebido, mas esta semana chegaram a acordo com a Associação Regional de Saúde para que lhes fossem facultadas consultas de tratamento especializado em trauma.

Os três casos onde falhou socorro

De acordo com a investigação do professor Xavier Viegas, houve três pessoas que morreram a quem não chegou qualquer acção de socorro. Num resumo sobre o que está escrito no capítulo que não foi divulgado, o especialista contou ao PÚBLICO que considera que houve "um caso dramático, de uma morte que poderia ter sido evitada" que foi o caso de uma "senhora cega que estava em casa". "Teve dificuldade em perceber o que se passava à volta dela. A casa dela arde, não no dia 17, mas no dia 18 de madrugada. A casa desaba e ela morre". 

Além deste caso, numa entrevista ao PÚBLICO, Xavier Viegas identificou um casal que morreu intoxicado dentro de casa. "A casa ardeu uma parte, mas onde eles estavam não estava queimado. O filho desse casal foi lá às 9h30 e encontrou os pais mortos. Se houvesse socorro, uma comunidade que reconhecesse que estavam ali aquelas pessoas, possivelmente poderiam ter ido lá resgatá-los", contou.

Além dos relatos das circunstâncias em que aconteceram algumas das mortes, o capítulo contém ainda relatos de testemunhas e do que fizeram naquelas horas fatídicas. Xavier Viegas identificou três pessoas a que chama "heróis" por terem andado a socorrer vítimas e a levá-las para locais seguros. 

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