A nova e terrível batalha de Midway

Uma pequena exposição lembra-nos a gravidade da invasão dos mares por plásticos e outros detritos. Impedir que cumpram o seu mortal destino é uma irrecusável obrigação humana.

Todos conhecem a história, nem que seja de nome, e muitos terão visto o filme: Midway foi um feroz confronto aeronaval entre tropas americanas e japonesas, em Junho de 1942, depois do ataque japonês (de surpresa) a Pearl Harbor. E deve o seu nome ao local onde se desenrolou: junto ao atol de Midway, no Pacífico, a meio caminho (dizem as enciclopédias) entre Tóquio e São Francisco.

Foto
Albatroz Exibicionista, de Xandi Kreuzeder e João Parrinha (2011) SKELETON SEA

Passados 75 anos desse embate, decisivo para o desfecho da II Guerra Mundial, trava-se uma nova batalha em Midway, também decisiva para o futuro do planeta. E esta batalha é ambiental. Inimigo? A incúria humana. Midway é, ou devia ser, um santuário marinho, em particular para os albatrozes, que parecem gaivotas de grandes dimensões. Mas, “graças” aos turbilhões atlânticos, muitos dos plásticos de todos os tamanhos e feitios que vão parar às águas acabam em Midway e no estômago dos albatrozes, que os confundem com comida. A razia é imensa e os prejuízos para a natureza são enormes. Não só para os albatrozes, mas para todos os animais marinhos que acabam sufocados e mortos com restos de desperdícios humanos que levam séculos a decompor-se.

O tema é de hoje, é de ontem e será de amanhã, com gravidade acrescida, porque continua a invasão dos mares por plásticos e detritos só muito lentamente degradáveis (exemplos: uma lata de sardinhas pode levar entre 10 e 100 anos a decompor-se, uma lata de bebidas 200 a 400, um saco de plástico entre 100 a 1000 anos e o vidro uns 4000 anos!). A que propósito vem isto? De uma pequena exposição no Centro de Interpretação Ambiental da Pedra do Sal, junto à praia de São Pedro do Estoril, com a marca do Skeleton Sea, “um grupo de amigos e surfistas que adoram o mar e consiste na limpeza de resíduos em praias para serem transformados em arte, instalações e esculturas que lembram o esqueleto e o processo da vida e da morte.” E é isso que fazem. Nesta exposição estão um enorme atum construído com metais (latas e outros) e um albatroz feito dos materiais que o matam e ao qual os autores (Xandi Kreuzeder e João Parrinha) chamaram Albatroz Exibicionista. No site do grupo há até um vídeo, já com locução em português, onde eles alertam para o drama. “Existem grandes manchas de lixo, também chamadas sopa de plástico, que cobrem cerca dois terços da superfície do planeta. Até agora foi comprovada a existência de lixo flutuante em cada um dos principais turbilhões atlânticos. Alguns cientistas dizem que a grande ilha de lixo à deriva no Oceano Pacífico pode ter duas vezes o tamanho do estado do Texas, nos Estados Unidos.”

É depois que falam de Midway e dos albatrozes, com recurso a uma animação algo pueril (o vídeo dirige-se a todos, a começar pelas crianças que também visitarão a exposição), mostrando como construíram a enorme ave, recorrendo a “todo o tipo de materiais que se podem encontrar no estômago de um albatroz: canetas, escovas de dentes, isqueiros, tampas de garrafa, todos estes confundidos por comida.” E vemos cadáveres de albatrozes, de barriga aberta, cheia de plásticos. Não é montagem, antes fosse. As pilhas de animais mortos que se vêem no filme, mais as muitas mortes que não são filmadas mas vão reduzindo e ameaçando a fauna oceânica, são um pesadelo que teremos de enfrentar, colectivamente. A começar por cada um de nós, em cada lugar onde é criminoso voltar a deixar embalagens, sacos ou tampas que irão ser letais para muitos seres.

Vê-las em forma de arte é satisfatório, mas é ao mesmo tempo um alerta dramático. Porque muitas destas “esculturas” estão ainda dispersas nas águas e são assassinas. Impedir que cumpram o seu mortal destino é uma irrecusável obrigação humana. Por Midway e pelo futuro do planeta. 

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