Grupo de especialistas apresenta propostas a Costa e a Marcelo para reconstruir o país

Investigadores de várias áreas elaboraram documento com medidas para ajudar no ordenamento florestal e combater desertificação do território.

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Adriano Miranda

O encontro de especialistas de várias áreas na Universidade de Coimbra (UC) para falar sobre o país do período pós-incêndios resultou na elaboração de um documento com propostas para reconstruir e reordenar o território. O texto que contém medidas de longo prazo vai ser entregue a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa. 

As propostas que saíram da mesa redonda “Incêndios, territórios e fragilidade económica e social: Pensar o país inteiro”, que decorreu no início do mês, foram apresentadas nesta quinta-feira em conferência de imprensa. 

De acordo com os promotores da iniciativa, os incêndios que têm varrido vastas áreas do território “exigem uma tomada de consciência clara da ligação entre a tragédia e a crescente fragilização e deslaçamento de grande parte do espaço nacional, dos seus modos de vida e das economias que aí existem”. 

A desertificação do interior

A desertificação do interior do país é um dos factores apontados para a dificuldade em gerir o território. Logo, “não há solução sem haver pessoas”. “O Portugal democrático criou uma visão redutora de urbanização e explorou-a perigosamente”, alimentando a “ideia de que tudo se podia basear em cada cidade e que cada uma se bastava a si mesma”, refere o documento. Para contrariar este ciclo, o grupo de investigadores defende políticas públicas que tenham em conta a “percepção dos problemas” das pessoas que vivem nas aldeias.

Em relação à organização florestal, cuja propriedade está, em muitas zonas do país, ao abandono, o grupo entende que se deve apoiar as “formas de gestão agrupada e que valorizem a multifuncionalidade dos espaços florestais apoiando os produtores que se organizem nesse sentido”. Neste campo, é desejável o envolvimento das autarquias. Para esta finalidade devem afectar-se verbas do Fundo Florestal Permanente. 

O apoio à agricultura familiar é outro dos pontos, uma vez que assume um “peso muito expressivo” em regiões de baixa densidade que têm perdido população. Neste caso, o grupo entende que a questão é “eminentemente política”, uma vez que o que está em causa é o modelo de apoios públicos a esta actividade. 

Para garantir o equilíbrio entre a “função económica de produtividade silvícola e a conservação” dos ecossistemas, cabe no conjunto de propostas um programa integrado de apoio às aldeias. Cada uma deve ser entendida como uma comunidade e devem ser adoptados novos modelos de governação formal e informal, “que  aproximem as decisões públicas das pessoas e que propiciem soluções mais integradas para os problemas específicos destes espaços socio-territoriais”.

Os especialistas apontam para a necessidade de sensibilização constante das comunidades, de haver nelas um compromisso pela “edificação de uma outra floresta” e de valorizar os matos e incultos.

 

Para combater a tendência de desertificação do interior é preciso “olhar para os espaços que habitualmente designamos rurais e vê-los como lugares onde se pode desenvolver a produção e a valorização dos seus recursos e dos seus habitantes”. Assim, é também  importante “haver interlocutores políticos de escala regional e não apenas municipal ou intermunicipal”. Por último, o Estado reforçar a presença da administração pública no território, estabelecendo proximidade, uma vez que está “desligada” dos seus problemas.

Estas medidas, ressalvam, embora tenham caracter de urgência, devem ter como objectivo uma “acção reformadora de carácter mais longo”. 

 

À margem da conferência de imprensa, um dos promotores da iniciativa, José Reis explicou ao PÚBLICO, para além dos factores climatéricos, os incêndios são também resultado da falta de coesão territorial, algo “muito persistente na sociedade portuguesa das últimas décadas”.

 

Mas as propostas, embora não tenham como objectivo a actuação imediata, visam também prevenir algumas situações. “Hoje há uma grande disponibilidade de capitais privados para, onde houver filet mignon, haver investimento capitalista”, refere o docente da Faculdade de Economia da UC, sublinhando a necessidade de se acompanhar os processos de reflorestação. 

Os elementos que contribuíram para o texto vão de várias áreas da investigação académica 

(floresta, administração pública, sociologia, economia, entre outros) ao vice-presidente da Câmara Municipal de Mação, concelho do distrito de Santarém que viu arder grande parte da sua área florestal nos incêndios deste ano. 

 

Na elaboração do documento participaram Agostinho Carvalho, Américo Carvalho Mendes, António Covas, António Louro, Armando Carvalho, Helena Freitas, João Guerreiro, José Castro Caldas, José Portela, José Ramos Rocha, José Reis, Manuel Brandão Alves, Pedro Bingre Amaral, Pedro Hespanha e Victor Louro.

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