Este ano foram assassinadas 18 mulheres, o número mais baixo dos últimos 14 anos

Pelo menos 23 mulheres foram vítimas de tentativa de homicídio e a maioria não recorre a apoio. Segundo o Observatório das Mulheres Assassinadas, metade dos crimes foram cometidos pelo marido, companheiro ou namorado. "Grande parte destas situações não surgem de forma isolada".

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Protesto silencioso no Porto em 2015 para homenagear as 27 mulheres assassinadas nesse ano PAULO PIMENTA

Desde o início do ano até à passada segunda-feira, 18 mulheres foram assassinadas e 23 foram vítimas de tentativa de homicídio. 2017 é, ainda assim, o ano que apresenta a taxa mais baixa de incidência dos últimos 14 anos registada pelo Observatório das Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativas e Resposta (UMAR), segundo o relatório preliminar divulgado esta quarta-feira.

"É o terceiro ano em que registamos uma diminuição na incidência de femicídio (...) congratulamo-nos com o facto e achamos que é uma evolução muito positiva, mas ainda é muito cedo para falarmos de uma tendência", disse à agência Lusa a directora da área de violência da UMAR, Elisabete Brasil. 

A maioria dos homicídios foi cometidos em casa pelo marido, companheiro ou namorado da vítima, recorrendo a uma arma de fogo ou arma branca.

De qualquer forma, há "18 mulheres assassinadas e é sempre muito, nem que fosse uma era sempre muito", lamentou. Elisabete Brasil alerta que a violência contra as mulheres "é um fenómeno que traz consequências não só para as vítimas", como para os familiares e para a sociedade.

Em média, este ano, houve 1,6 homicídios por mês. Oito vítimas tinham entre 51 e os 64 anos, seis entre 36 e 50 anos e quatro mais de 65 anos, adiantam os dados baseados nos crimes noticiados pela imprensa até 20 de Novembro.

Segundo o observatório, metade dos crimes foram cometidos pelo marido, companheiro ou namorado e em 22% das situações pelo ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado.

A violência intrafamiliar, nomeadamente a praticada contra as mães, contabiliza três casos, e por outros familiares dois casos, referem os dados divulgados a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência sobre a Mulher, que se assinala este sábado, 25 de Novembro.

A maior parte dos homicídios (83%) aconteceram em casa e 17% foram cometidos na rua. Os dados mostram que seis homicídios foram praticados com arma de fogo e outros seis com arma branca (66% dos casos).

Em nove dos 18 homicídios, a medida de coacção aplicada foi a prisão preventiva e num caso a prisão domiciliária. E partir daí o observatório não apresenta mais dados.

"Situações não surgem de forma isolada"

Os números mostram que 56% das mulheres assassinadas foram vítima de violência na relação de intimidade. Em quatro casos existia denúncia apresentada e noutros dois, além da denúncia, haviam já sido decretadas medidas de coacção no âmbito desse processo.

"Grande parte destas situações não surgem de forma isolada, elas surgem de uma relação que já era violenta e que termina num assassinato", disse Elisabete Brasil, sublinhando que o facto de existirem processos-crime e terem decorrido inquéritos "não foi o suficiente para evitar que estas mulheres fossem assassinadas".

Para a responsável da UMAR, é preciso manter as estratégias de protecção e de segurança, fazer uma avaliação e gestão de risco contínua, e "perceber que um agressor de violência doméstica é um indivíduo perigoso e que, em muitas das vezes, é capaz de matar".

Também é preciso "mudar uma cultura que ainda é patriarcal, de um machismo que ainda dita que numa relação de conjugalidade ou de intimidade a mulher é quase uma pertença do homem", vincou Elisabete Brasil.

"É preciso mudar esta mentalidade e dizer que homens e mulheres são iguais e igualmente capazes de decidir a sua vida" e que têm de respeitar o outro quando diz "sim", mas também quando diz "não", sustentou.

Para Elisabete Brasil, é preciso responsabilizar o agressor pelo seu comportamento de violência, um "sinal que ainda não foi dado em Portugal". "Muitas vezes são as vítimas que têm a responsabilidade da sua protecção e da sua segurança e o agressor fica impune a aguardar que uma justiça se faça, mas sem que haja uma repercussão directa na sua esfera jurídica, pessoal, social, laboral, enquanto que as vítimas têm de fugir para se proteger e adaptar-se a um sistema de protecção", salientou.

Também acontece muitas vezes as denúncias terminarem em arquivo e algumas em suspensão provisória de processo. Há outras que seguem para julgamento e que são condenatórias, mas "terminam com penas suspensas", o que "acaba por ser uma certa impunidade quer aos olhos da sociedade quer aos olhos das próprias vítimas".

Nove em cada 10 vítimas não recorre a apoios

Nove em cada dez vítimas de violência doméstica não pedem ajuda ao sistema público de apoio, por desconhecimento, isolamento ou dificuldades no acesso aos serviços, disse ainda Elisabete Brasil.

"O que os grandes estudos a nível nacional e internacional dizem é que nem 10% das vítimas chegam aos sistemas de apoio" por diversas razões", adiantou.

Apesar de "vivermos num sistema de muita informação", muitas vezes o isolamento a que as vítimas estão votadas e em que os agressores as colocam, "impede que tenham acesso à informação", explicou Elisabete Brasil. Por outro lado, em termos geográficos, também ainda não há "respostas em todas as localidades, em todos os concelhos, que permitam um acesso fácil ao sistema de apoio".

O silêncio das vítimas foi denunciado esta semana, em Bruxelas, pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), segundo o qual "a violência contra as mulheres é um problema muito maior do que as estatísticas mostram".

De acordo com o EIGE, quase uma em cada duas mulheres (47%) que sofreu violência nunca disse a ninguém, "seja à polícia, serviços de saúde, um amigo, vizinho ou colega".

Questionada sobre estes dados, Elisabete Brasil disse que é uma realidade que também se passa em Portugal, considerando que ainda há "um longo caminho a percorrer" para inverter este quadro. "Temos a consciência de que muito do que foi feito é ainda pouco, que este é um longo caminho a percorrer, e que esta não é uma luta das vítimas de violência doméstica e não é uma questão das mulheres", frisou.

É uma "questão de cidadania, de dignidade humana, de direitos humanos", disse a responsável da UMAR "Para mudar tudo isto, precisamos de todos e não seremos muitos", defendeu. Para Elisabete Brasil, "a participação, o interesse, a informação é uma tarefa" que diz respeito a todos e, como tal, "todos são convocados a participar".

"É um apelo para que não nos esqueçamos das vítimas de violência doméstica, é um apelo à não-aceitação da violência, e de que cada um dos nós é necessário num mundo que acreditamos ser possível melhorar", rematou.

Para alertar para esta realidade e assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, a UMAR realiza na sexta-feira, em Lisboa, um seminário sobre a Convenção de Istambul (convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica), ratificada por Portugal. Esta iniciativa visa potenciar o conhecimento sobre a Convenção de Istambul e avaliar a sua aplicação em Portugal.

Já a sábado, a UMAR promove uma marcha contra a violência, que parte do Largo do Intendente, em Lisboa, às 16h, disse Elisabete Brasil, adiantando que estas iniciativas se repetirão noutras capitais de distrito do país.

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