As razões para o Governo estar reactivo

A paralisia do Governo deve-se a vários factores. “Costa não percebeu” Pedrógão Grande, diz João Cravinho. Marina Costa Lobo afirma que o PS também não percebeu as autárquicas. Eduardo Cabrita garante uma “nova agenda” do Governo.

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O primeiro-ministro perdeu a iniciativa política com os incêndios de Verão LUSA/JOSE SENA GOULAO

De repente, o Governo parece desorientado. O primeiro-ministro, Antonio Costa, até aqui a demonstração viva da habilidade política negocial, age em reacção aos acontecimentos, às reivindicações sindicais e às exigências do Presidente da República. Incêndios, roubos de armas, polémicas nas redes sociais como a dos jantares do Panteão, lutas da função pública em particular dos professores, transformaram a imagem do Governo.

“Os sucessivos falhanços da Administração Interna e da Defesa colocaram o Governo à defesa, parece estar sempre em reacção e sem iniciativa”, afirma a politóloga Marina Costa Lobo PÚBLICO, sintetizando o momento do executivo. E acrescenta: “O Governo tem dificuldade em projectar imagem de controlo político dos problemas que criam erosão.” Um retrato que o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, rebate.

“Não há desorientação do Governo, o que se passa é que a conjuntura de negociação do Orçamento do Estado coincidiu com os incêndios de 15 de Outubro”, afirma ao PÚBLICO aquele que é um dos decisores políticos mais próximos do primeiro-ministro e que se tornou uma peça central da governação, ao transitar de ministro-adjunto para a pasta deixada vaga pela demissão de Constança Urbano de Sousa, na sequência da crise provocada pelos incêndios e pelas pressões do Presidente da República.

O ministro reconhece, porém, que “a seguir a Pedrógão Grande criou-se uma situação que abalou o sentimento de confiança de que o Estado deve garantir a segurança”. Isso fez com que “as pessoas fossem mais exigentes” pelo que cabe ao Governo “ser mais exigente em termos de coordenação”, admite Cabrita.

Procurando explicar ao PÚBLICO a mudança de atitude do Governo, João Cravinho, membro da comissão política do PS, considera que “até ao incêndio de Pedrogão Grande a tendência geral era a economia crescer, as pessoas sentiam que o Governo ia abrir os cordões à bolsa na reposição de rendimentos, o Governo estava sem oposição nenhuma”. Isso permitiu a “António Costa formar a ideia que isto era navegar com atenção aos pequenos problemas e ele lá estava para resolvê-los, negociando com o PCP e o BE, que estavam presos até 2019”, recorda o antigo ministro do IV Governo Provisório e do primeiro governo de António Guterres.

“Costa não percebeu”

Cravinho considera que “Costa estava tranquilo de que chegaria às legislativas até com possibilidade de, sem nunca a pedir, a maioria absoluta cair-lhe no regaço”. Ou seja, o primeiro-ministro apenas tinha de fazer “uma espécie de acompanhamento passivo da tendência de fundo, ir fazendo surf”. Isto “até que veio o choque de Pedrógão Grande”, o qual, segundo Cravinho, “Costa não percebeu”. Razão pela qual, “com as autárquicas, consolidou a ideia de que o que era preciso era ir navegando e que a maioria absoluta continuava a caminho”. Para o dirigente do PS, “só o 15 de Outubro e Marcelo [Rebelo de Sousa] liquidam isso”.

O papel tranquilizador das eleições locais para o Governo é assumido por Cabrita: “As autárquicas correram bem e o PS não podia ir mais além do que foi”. Se isto é um facto, Marina Costa Lobo adverte para que, “com as autárquicas, dentro da aliança de poder, parece ter mudado a atitude do PCP”, uma vez que os comunistas “acordaram para o facto de que o seu eleitorado não é tão leal como supunham” e “agem em função disso, não só no discurso, mas também em acções concretas”.

Mas segundo esta investigadora do Instituto de Ciências Sociais “o PS não tirou as ilacções devidas”. Marina Costa Lobo explica que “as autárquicas mostraram que o PS pode ganhar ao PSD, sem perder na frente de esquerda”, porque “é ao centro que o PS ganha ou perde” eleições. Ora, isto mostra que “as concessões que o PS faz à esquerda em termos de Orçamento podem pôr em causa o voto do centro”, eleitorado que “espera um PS responsável que cumpra os critérios da zona euro e as exigências dos compromissos externos”. Daí que defenda que “o crescimento macroeconómico é favorável ao Governo, o eleitorado aprova as políticas de Mário Centeno mais do que a cedência do primeiro-ministro às esquerdas e às clientelas”. E adverte: “Era bom que Costa pensasse nisso e agisse em conformidade.”

A politóloga sublinha que “eleitoralmente a economia é o tema central” e que a actual “conjuntura é excelente para a popularidade do Governo”, pelo que é preciso projectar a imagem de dar sequência às políticas. Para isso, "a figura do primeiro-ministro é fundamental, por exemplo, na valorização dos resultados da economia”. E conclui: “Hoje, como a economia não é preocupação central, é normal que outros temas sejam falados, mas o primeiro-ministro não pode deixar-se enredar por assuntos menores”.

Nova agenda

É o próprio ministro da Administração Interna que assume o quanto o Governo está atento à necessidade de mudar. Outubro complicou mais a situação”, pois “reforçou a dimensão de tensão e colocou a centralidade da governação na reconstrução, na política florestal, na estratégia para o interior”, criando “uma nova agenda”, admite Cabrita. Embora reconheça a urgência de o Governo mudar de atitude, Cabrita adverte para que se vive ainda “o paradoxo do sucesso na economia, que está a correr bem” mas que leva “as pessoas a pensarem que, se há folga, também querem”. Insistindo na ideia de que “em fase de negociação de Orçamento é normal esta pressão”, o ministro garante que “a conjugação destes factores durará até à sua aprovação”.

Depois de dia 27 abre-se assim, segundo Cabrita, um novo ciclo em que “é preciso concluir a consolidação da trajectória de recuperação das contas públicas”, tendo como “desafio manter o crescimento económico e dar visibilidade à recuperação das áreas afectadas pelos incêndios”. Indo mais longe, Cabrita considera mesmo que “o primeiro semestre de 2018 será decisivo” para esse objectivo. E insiste: “Isto terá de ser até ao Verão, porque depois estamos a um ano de eleições. É preciso manter o crescimento, baixar o défice e devolver confiança e esperança em relação às áreas de governação agora afectadas. É preciso mais coordenação interna do Governo, mas a iniciativa vai ser mantida.”

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