Uma rapariga de 13 anos não é "uma crescida", defende actriz de Matilda
Mara Wilson, a actriz que protagonizou Matilda em 1996, escreve sobre os comentários dirigidos a Millie Bobby Brown, na estreia da segunda temporada de Stranger Things.
"Millie Bobby Brown acabou de crescer à frente dos nossos olhos. (ela tem 13 anos!)" – o tweet de Mike Sington, ex-executivo da NBC, sobre uma das protagonistas da série Stranger Things, na estreia da segunda temporada, gerou uma onda de críticas pelo tom sexual implícito na mensagem.
"Senti-me enojada e depois furiosa. Uma rapariga de 13 anos não é de todo uma crescida", manifestou Mara Wilson, que protagonizou Matilda na adaptação ao cinema de 1996 do conto do mesmo nome de Roald Dahl. Hoje com 30 anos, a actriz escreveu um texto de opinião para a revista Elle criticando a forma como os media e a sociedade em geral sexualizam as child stars, falando inclusive da sua própria experiência. Enquanto adolescente, recebia cartas de adultos a comentar o seu corpo e chegou a ter fotografias suas editadas no Photoshop em sites de pornografia.
A actriz aponta para os dois tipos de resposta mais comuns a estes comentários: o primeiro é questionar por que razão está vestida de uma certa forma e o segundo é culpar os pais por o permitirem. "A implicação era que, se uma jovem rapariga sob o olho público mostrasse qualquer coisa que pudesse ser interpretado como uma expressão da sua sexualidade, ela seria um alvo aceitável para desdém e assédio", aponta, lembarndo que Brown é uma adolescente, como todas as outras, quer sentir-se bonita.
"Contudo", continua, "dizer algo equivalente a 'se ela não quisesse ser sexualizada, os pais não a deveriam ter vestido assim' tira a responsabilidade de cima que quem está a sexualizar". Não quer isto dizer que as pessoas tenham de "andar em bicos de pés" à volta destas celebridades, mas sim que deveriam ter cuidado e reflectir antes de agir. Olhando para a caixa de comentárias dos posts de Instagram de Millie, não são raras as mensagens sugestivas e até agressivas.
Wilson sublinha ainda que o problema não é exclusivamente dos media. É comum verem-se notícias deste tipo sobre estrelas de Hollywood adolescentes – como, por exemplo, a filha de Johnny Depp e Vanessa Paradis, Lily-Rose, que aos 15 anos, era considerada "uma crescida", pelo HuffPost, por estar vestida de uma forma tipicamente mais adulta –, mas o problema não se fica por aí. "Somos todos parte dos media, mas não sei se já o percebemos, nem se compreendemos a tremenda responsabilidade que isso acarreta".
Millie Bobby Brown nem é, aliás, o único elemento do elenco da série vítima deste tipo de abuso. Há algumas semanas, a modelo americana Ali Michael partilhou uma imagem do actor de 14 anos Finn Wolfhard no Snapchat, escrevendo, "não querendo parecer bizarra, liga-me daqui a quatro anos". Viu-se mais tarde forçada a pedir desculpa e clarificar que não quer, na realidade, que "o Mike de Stranger Things" lhe telefone, face às críticas que recebeu nas redes sociais.
"Há tantas histórias de pedofilia em Hollywood, e no entanto todos continuam a sexualizar este miúdo como se fosse engraçado e não extremamente estranho fazê-lo", escreveu um utilizador do Tweeter, em resposta a uma publicação sobre o Snapchat da modelo de 27 anos. Questionado pelo TMZ sobre o incidente, Wolfhard confessou que achava o comentário da modelo "grosseiro".
O que acontece às crianças de Hollywwod?
Mara Wilson tinha falado já no problema da sexualização dos adolescentes em Hollywood, quando escreveu, em 2013, sobre as Sete razões pelas quais as crianças estrelas ficam malucas. "Ser um ídolo adolescente é ser vulnerável", diz, referindo o caso de Brooke Shields, que disse em entrevista à revista Health que ser vista como um objecto, sujeita às interpretações dos outros, foi uma das razões por que escolheu não ter relações sexuais até aos 22 anos.
Basta pesquisar o nome de praticamente qualquer actor que tenha ganho fama em criança para encontrar histórias semelhantes a estas. Como resume o título de uma peça do site Elite Daily: Os media chamam uma criança estrela 'crescida' e depois culpam-na por isso.
Sem o solicitar, Ariel Winters – a Alex de Modern Family – recebeu todo o tipo de comentários acerca da redução mamária que fez aos 17 anos. Antes da operação, "se fosse aos Emmys, ou mesmo se fosse ao supermercado, haveria um artigo no dia seguinte a dizer 'Ariel Winter tinha as suas mamas de fora neste evento'! Coisas mesmo negativas que não me ajudavam de todo", comentou à revista Self.
Anos antes de lançar o seu controverso álbum Bangerz, Miley Cyrus – que na altura se tentava afastar da imagem de Hannah Montana – sentiu a necessidade de vir a público pedir desculpa por uma fotografia de 2008 da Vanity Fair, em que aparecia coberta com um lençol. Então, confessou sentir-se "envergonhada". A própria fotógrafa Annie Leibovitz pediu desculpa pela forma como a imagem, que considerava "um retrato clássico" e "bonito", "tirado com muito pouca maquilhagem", foi interpretada. A Disney, com quem Cyrus tinha um contrato assinado, por sua vez, acusou a Vanity Fair de "manipular uma pessoa de 15 anos para vender revistas".
Dois anos depois, em entrevista à Harper's Bazaar, a jovem entertainer parecia olhar para o rescaldo da situação com outros olhos: "Aqui estavam os meus pais a pensar que estavam a ver uma linda fotografia [feita] por uma prestigiada fotógrafa, e as pessoas da América a quererem ver algo sujo nisso?".
