Europa e políticas educativas

Pondo de lado algum exagero, a realidade não anda longe deste cenário e de uma hegemónica visão ideológica da educação.

Há no género humano uma pulsão atávica para o domínio e controlo do outro. A Europa destapa-se quando, a pretexto de programas educativos — através dos quais se promove a parceria de professores de países distintos e se fomenta a inspiração nos alunos em mini-projects —, se justificam práticas ditas inovadoras, recorrendo a uma monitorização musculada, despudorada e directiva. A Comissão Europeia, que financia o "Impact-Project”, tem os seus cães de fila.

Aparentemente, as regras são simples: quem paga é a Comissão Europeia, logo tudo se baseia numa lógica de prestação de contas, em que os resultados deverão ser sujeitos a aferição. No meio de tudo isto, a Saxion University da Holanda e o seu financiamento não serão um mero pormenor. Como a matéria impositiva surge invariavelmente de cima para baixo, o ónus da produtividade recai sobre as estruturas intermédias, uns tipos holandeses de ar tedesco encarregados de garantir a eficiência do trabalho entre parceiros latinos (catalães e italianos), os muito esforçados turcos e aquela gente de quem se diz não ser capaz de governar-se nem deixar que a governem, os portugueses. Para além disso, há elementos arregimentados da Turquia e Catalunha, por vezes mais escrupulosos no cumprimento da sua missão do que os categóricos líderes.

O plano de trabalho insere-se num tipo de discurso inscrito na ordem das recentes pedagogias, pouco originais, diga-se, do multilinguismo, da profissionalização e da internacionalização, fórmulas sagradas da nova ordem educativa. Muito barulho por nada, diria o dramaturgo inglês. Afinal de contas, isto não passa de uma habilidade linguística para produzir a ficção de que o ensino escapa ao método fabril de produção de aprendizagens, que os professores, pela aparência de um empenho desmesurado, se tornam mais eficientes e competentes (a isto chama-se profissionalização) e que urge ouvir as criancinhas cantar em três ou mais línguas. A Europa quer-se multicultural e multilinguista e a sua ideia de progresso passa por inscrever nas novas gerações a ideia de que os cidadãos podem rasurar nacionalismos e identidades nacionais, alegando que o seu lugar de pertença não é já o país, mas um vasto continente, assente nos valores do respeito e da tolerância. Mais línguas, mais oportunidades. Pondo de lado algum exagero, a realidade não anda longe deste cenário e de uma hegemónica visão ideológica da educação.

O que pouco se discute é que o plano europeu se constrói sob a égide de orientações à margem de discussão paritária, que os valores da Europa assentam numa igualdade forjada após décadas de colonialismo e de um actual neocolonialismo económico, que a superioridade moral europeia e o seu projecto são todos os dias postos à prova com a Frontex, com a complexidade de integração de refugiados, com os múltiplos muros construídos e forjados na ideologia proteccionista de Schengen e com os ideários neofascistas em ascensão, que a língua de trabalhos, ao jeito da diglossia, é uma língua de dominação (agora em paradoxal “Brexit”) da pax anglo-saxónica que ainda se impõe, e que de pouco adianta expor alunos a línguas várias, caso não seja introduzida uma componente antropológica e sociológica no ensino, mesmo sob feições elementares. Vivemos um momento de circuitos culturais, sem completa consciência do que nos manieta.

Isto acontece porque somos complacentes e mantemos um profundo sentido de obediência. Ainda não aprendemos a reagir ao insulto do poder e da autoridade. E a Europa, atavicamente, aí está para nos ler a cartilha.

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