Não há professores. Cada professor é um professor

A grande vitória da Fenprof e dos Mários Nogueiras desta vida foi terem conseguido transformar um grupo de indivíduos heterogéneos num conjunto compacto de funcionários públicos, onde excelência e mediocridade são amalgamadas em nome dos “direitos da classe”.

Eu sou um produto, para o bem e para o mal, da escola e da universidade públicas. Nunca andei em instituições privadas. Três dos meus quatro filhos frequentam a escola pública, e a mais nova só não frequenta porque ainda tem cinco anos. Há razões financeiras para esta escolha, pois os filhos são muitos, mas há sobretudo razões de princípio: acredito na importância do ensino público; frequentei-o numa época em que era menos exigente do que hoje e não me dei mal; prefiro que os meus filhos cresçam longe das bolhas elitistas (sem desprimor) que são os melhores colégios privados; acho até que certas limitações próprias da escola pública têm vantagens em termos de autonomia e de resiliência (se os pais desempenharem bem o seu papel); e prefiro investir o dinheiro que poupo na mensalidade dos colégios em actividades extracurriculares, ou a viajar com os miúdos para fora do país nas férias do Verão ou da Páscoa, para ganharem mundo.

Este primeiro parágrafo serve dois objectivos: demonstrar que sei do que falo quando falo da escola pública, e tentar afastar o preconceito de que quando critico Mário Nogueira, os sindicatos ou certos privilégios da classe estou a atacar cada professor em particular. Deixem-me ser claro quanto a isto, correndo o risco de parecer foleiro: não há mais belo, nem mais nobre trabalho do que o de professor. De nenhuma outra profissão tanta gente algum dia disse “graças a ele, a minha vida mudou” ou “nas suas aulas, descobri a minha vocação”. Tive professores extraordinários, tal como os meus filhos tiveram professores extraordinários. Mas, como é óbvio, também existe o outro lado: tive péssimos professores, tal como os meus filhos já tiveram péssimos professores.

Há décadas que se reconhece a importância de tentar distinguir uns dos outros, para que os extraordinários possam ser devidamente premiados, e os péssimos necessariamente penalizados. Há décadas que esse exercício é um fracasso. Continuamos a alimentar este paradoxo: os professores são a corporação mais poderosa do país, embora poucas profissões estejam tão radicalmente dependentes do carisma individual de quem a exerce. Ser professor é estar sozinho, durante infindáveis minutos, à frente de uma plateia heterogénea e resmungona, que necessita de ser diariamente conquistada. Não existe, nem nunca existiu, essa entidade abstracta chamada “os professores” – existem dezenas de milhares de indivíduos a desempenhar uma função singular e complexa, que de forma alguma podem ser confundidos com um grupo profissional homogéneo, como se fossem mineiros, estivadores ou trabalhadores numa linha de montagem.

A grande vitória da Fenprof e dos Mários Nogueiras desta vida foi terem conseguido transformar um grupo de indivíduos heterogéneos num conjunto compacto de funcionários públicos, onde excelência e mediocridade são amalgamadas em nome dos “direitos da classe”. Sendo o papel do mérito mínimo em termos de progressão na carreira, o professor de treta tem boas probabilidades de estar a ganhar o mesmo do professor extraordinário ao fim de 30 anos de ensino. E sabem o que é mais ridículo? É que toda a comunidade escolar – pais, alunos, professores, funcionários – sabe perfeitamente distinguir um do outro. Podiam até apontá-los a dedo. Só que apontar a dedo é feio, e os sindicatos, lamentavelmente, preferem desde sempre a protecção dos professores medíocres à valorização daqueles que ainda hoje marcam a vida dos seus alunos.

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