Protecção de Dados alerta para risco de um Estado cada vez mais Big Brother

Orçamento do Estado propõe várias interconexões entre bases de dados da administração pública. Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados diz que está em causa a liberdade dos cidadãos.

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Estado dispõe de cada vez mais informações sobre os cidadãos Nuno Ferreira Santos

O aviso repete-se nos últimos anos e continua a ser desrespeitado mesmo quando sobe de tom. A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) avisa para os riscos inerentes ao acréscimo de ligação e de acesso às várias bases de dados da administração pública que é proposta pelo Orçamento do Estado para 2018.

No parecer sobre este documento, a CNPD alerta para a redução, cada vez maior, da privacidade dos cidadãos, uma vez que há um número crescente de funcionários do Estado que, através de qualquer elemento identificativo de um cidadão, podem ter acesso a um leque cada vez maior de informações sobre ele. Esta maior "interconexão" entre as diferentes bases de dados do Estado não afecta "apenas a privacidade, mas também a liberdade de cada um e a sua identidade, potenciando ainda o risco de tratamento discriminatório", lê-se no parecer.

No mesmo documento, em que pede ao legislador - agora apenas pode ser avaliado pela Assembleia da República - que reveja alguns artigos da Lei do Orçamento do Estado para repensar algumas opções, a CNPD diz que "não pode deixar de alertar para os riscos que a generalização de interconexões e acessos recíprocos à informação constante de bases de dados traz para os cidadãos". Já no ano passado a CNPD tinha avisado para o risco de tornar as ligações entre bases de dados uma prática comum. Este ano reforça o alerta, uma vez que o Orçamento do Estado propõe várias ligações novas.

Concretamente, há pelo menos cinco interligações que são propostas e que recebem reparos. O OE para 2018 propõe uma maior interligação entre as bases de dados da Segurança Social, da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e da Autoridade Tributária (AT), num artigo com a intenção de apresentar "medidas de transparência contributiva"; um processo de interconexão de dados entre a CGA e a Segurança Social por causa da actualização extraordinária de pensões; uma ligação entre a base de dados da AT e da Direcção-Geral das Actividades Económicas; uma maior relação entre os serviços da AT e os serviços da administração interna para a melhor cobrança de "contraordenações rodoviárias"; e, por fim, a interconexão entre as informações da Segurança Social e do Instituto de Emprego e Formação Profissional, "com vista a reforçar o rigor na atribuição dos apoios públicos no âmbito da execução das políticas de emprego e formação profissional, dos incentivos ao emprego e das prestações de cobertura da eventualidade de desemprego".

A CNPD até considera que estas interconexões podem ser justificadas "à luz de um específico e legítimo interesse público", contudo, avisa que do conjunto de bases de dados e ligações entre si "resulta uma teia de ligações" que permite a qualquer um que tenha acesso a estes dados "interrelacionar toda a informação relativa a cada cidadão".

O crescimento da veia big brother - constante vigilância dos cidadãos - na administração pública tem sido uma preocupação constante da CNPD que, com o aprofundar desta intenção no Orçamento do Estado, considera "razoável" ter a "apreensão quanto ao domínio que o Estado e a Administração pública têm ou estão em condições de ter sobre a informação dos cidadãos, e com isso ao domínio sobre os mesmos cidadãos".

Apesar deste parecer da CNPD, pouco haverá a fazer, uma vez que os partidos já entregaram as propostas de alteração que serão votadas a partir de quarta-feira.

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