Ele tem “cenas”, tu não

Quando ele diz que tem "cenas", ?coisas "dele"?, isso não quer dizer que ele não gosta de ti. Só? ?quer? dizer ?que? ?ele,? ?ao? ?contrário? ?de? ?ti? ?(de mim),? ?foi? ?ensinado? ?a? ?gostar? ?dele? ?próprio

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“Liguei-lhe. Afinal já não vamos estar juntos hoje porque surgiram cenas e ele vai estar com um? ?amigo.? ?Diz? ?que? ?aparece? ?aqui? ?amanhã.”

Quando ele diz que tem "cenas", ?coisas "dele"?, isso não quer dizer que ele não gosta de ti. Bom, até? ?pode? ?querer? ?dizer? ?isso,? ?mas? ?a? ?grande? ?maioria? ?das? ?vezes? ?não? ?quer? ?dizer? ?isso. Só? ?quer? dizer ?que? ?ele,? ?ao? ?contrário? ?de? ?ti? ?(de? m?im),? ?foi? ?ensinado? ?a? ?gostar? ?dele? ?próprio.

Ele, ao contrário de ti (de mim), sabe que as “cenas” dele têm importância, que vêm primeiro. E ele até gosta de ti, mas ao contrário de ti (de mim), gosta dele primeiro. “Cenas” quer dizer que ele tem uma? ?vida? ?além? ?de? ?ti? ?e? ?que? ?essa? ?vida? ?é? ??inalienável?.

Ele, ao contrário de ti (de mim), foi ensinado que isto é ?válido?. Que não faz dele egoísta, pelo contrário. Estas “cenas” são o que fazem dele quem é. Nada é mais importante que o seu tempo pessoal, os seus amigos, os seus planos. E se, lá no meio disso, der para encaixar estar contigo, então óptimo.? ?Se? ?não? ?der,? ?paciência,? ?há-de? ?dar? ?no? ?dia? ?a? ?seguir,? ?tu? ?podes,? ?não? ?podes? E? ?mesmo? ?que? ?não? ?possas,? ?passas? ?a? ?poder.

A diferença entre ti e ele é esta: ele sabe que o tempo dele é dele por direito. É que ele, ao contrário de ti (de mim), foi ensinado a gostar de si mesmo. R?eparem como ele não se justifica. Como não fica a remoer. Como não se culpa. Como assume que é okay a vossa combinação passar para outro dia. E como vocês (eu) correm a mudar todos os planos para poderem estar? ?com? e?le,? ?porque? ?a? ?outra? o?pção? ?é? ?não? ?o? ?verem? ?mais? ?essa? ?semana. Querem? e?star? ?com? ?eles,? m?ais? d?o? ?que? ?querem? e?star? c?om? v?ocês? ?mesmas.

Eles dispõem do vosso tempo à vontade. Porque o vosso (meu) tempo existe para isso. É sempre o tempo da relação. ?O teu espaço nunca é da tua relação contigo mesma. Essa, nós já sabemos? ?como? ?se? q?uer:? ??inexistente?.? E ?nós:? d??isponíveis.

Porque? n?ós,? m?ulheres,? ?nunca? ?temos? ?“cenas”. Ou melhor: ?as nossas “cenas” envolvem, quase sempre, outros. S?e és mulher sabes que as tuas “cenas” são facilmente alteráveis, desmarcadas, adiadas. ?Sabes que o tempo que tens te parece (e o sentes), quase sempre, como roubado a outrem. Conheço uma mãe que lê no carro, estacionada em frente a casa, porque esse é o único momento em que o consegue fazer sem ser interrompida. Este tempo é retirado aos filhos, ao marido, à casa, não é dela. É um acto ilícito. Pleno de culpa.

Todas as minhas amigas são mulheres incrivelmente fortes. Mas ?quando amam alguém passam a amar-se menos a si próprias. Lentamente, mas de forma constante, as suas conversas focam-se menos nelas e mais neles. Q?uando um homem aparece nas nossas vidas deitamos tudo ao ar para viver um possível grande amor. Ele não. Porque ele aprendeu a lição: ele é o seu grande amor. ?Tu dás tudo de ti, ele está a dizer-te que existe uma coisa que ele não dá e que é a vida dele. ?Ele não se vai anular por ti. ?E tu — tu não tens ferramentas para fazer outra coisa. Na presença de? ?outros,? ?o? ?nosso? ?impulso,? ?bem? ?treinado,? ?é? ?a? ?nossa? ?profunda,? ?brutal? ?anulação.

“Primeiro tens que gostar de ti” está muito em voga, mas e na prática? Gostar de ti implica conheceres-te e para te conheceres precisas de passar tempo ?só contigo?. Sem te tentares distrair de ti mesma. Estares sozinha e ?não apenas sozinha à espera que aconteça alguma coisa que mude esse teu estado, ou à procura de alguém. Implica que te vás sentir só. Que te vás sentir egoísta. Que outros? ?te? ?vão? ?dizer? ?(ou? ?pensar)? ?que? ?és? ?egoísta.

Na prática é: deixar de responder a mensagens; ausentar-me durante horas porque estou a ler ou a escrever; não ficar a tentar ajudar quando nem em mim consigo pensar; não pedir desculpas, não dar justificações; dizer: agora não posso, estou ocupada — mesmo que não esteja a fazer nada. É válido que eu decida fazer nada com o meu tempo. ?Esse tempo ?não é traduzível para compreensão de outrem,? ?não? ?é? ?capitalizável.

Essa pessoa que vai gostar de ti de forma incondicional precisas de ser tu. Mesmo que mais ninguém no mundo aprecie o prazer da tua companhia, tu aprecias e isso é suficiente. ?No meio da tua solidão ?vais abrir um espaço que nunca esteve lá. Vais poder gostar tanto de ti que, quando vier a próxima pessoa, se calhar já gostas tanto do que descobriste que ?não estás disposta a prescindir? ?nem? ?de? ?um? ?bocadinho?.? ?Tal? ?como? ?eles.

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