Alemanha: o último risco europeu antes do próximo

Conhecidos os talentos negociais de Merkel, a quem não faltava elasticidade para convencer os restantes partidos, trata-se de uma enorme surpresa.

1. A ruptura das negociações políticas na Alemanha apanhou quase toda a gente de surpresa, mesmo nos meios partidários envolvidos. A ideia era formar uma coligação de quatro partidos: a CDU de Merkel, os seus congéneres bávaros da CSU, os liberais do FDP e os Verdes. A auto-exclusão do SPD, com um resultado decepcionante, depois de coabitar quatro anos em bloco central, levou-o a optar por uma “cura de oposição”. A entrada dos Verdes numa coligação conservadora-liberal seria a grande novidade, mas tem um importante precedente, aliás, liderado pelo partido verde, no estado federado de Bade-Vurtemberga, rico e com 10 milhões de habitantes, que havia sido durante quatro décadas um bastião da CDU.

2. A convicção de alcançar um compromisso até quinta-feira passada (prazo depois alargado) baseava-se na tradição alemã de ter governos de maioria absoluta, no conhecido pragmatismo de Merkel (lembre-se que foi por sua decisão que foi abolida a energia nuclear da Alemanha) e pela flexibilidade demonstrada pelos Verdes. O radicalismo económico dos liberais e a insistência bávara numa política restritiva de acolhimento de refugiados pareciam ser as ameaças mais fortes à conclusão de um acordo. Mas em matéria europeia e até económica, as partes chegaram a um consenso, especialmente tendo em conta a futura articulação com as propostas de Macron. A ideia era ceder em tudo o que fosse possível na área da defesa e tentar não ceder quase nada em sede de reforma da zona euro. E aqui, até os verdes seguiam a linha económica ortodoxa, estando mais próximos dos liberais do que por aí se usa suspeitar. A ruptura, todos o reconhecem, deve-se aos liberais de Lindner e talvez mais a razões tácticas do que substantivas. Devem contar crescer num próximo acto eleitoral, tentando uma coligação a sós com a CDU e indo buscar votos à AfD e aos descontentes da CDU/CSU.

3. Conhecidos os talentos negociais de Merkel, a quem não faltava elasticidade para convencer os restantes partidos, trata-se de uma enorme surpresa. A primeira suspeita de que algo ia mal na planície prussiana foi a ausência de Merkel no Conselho Europeu de Gotemburgo. Aí, fora da agenda do pilar social que claramente não teve o eco que os seus promotores lhe queriam dar, jogava-se muita coisa importante nos bastidores. Merkel tem como grande objectivo conquistar a posição de presidente do BCE para um alemão em 2019. Ora, este desígnio contende directamente com duas decisões que precisavam de ser ali aclaradas: a presidência do Eurogrupo (deve ou não ser dada ao eslovaco Kasimir, socialista mas economicamente ortodoxo, que pode atrair países de leste para a zona euro) e a sede da Agência Bancária Europeia (que poderia fazer de Francoforte, em face de Paris, a rival vencedora, a cidade herdeira dos despojos da City de Londres). As coisas tinham de estar mal encaminhadas na cidade do urso para que Merkel faltasse a esta cimeira.

4. Trata-se até aqui ainda da pequena política ou intendência europeia. A grande política joga-se no período de óbvia instabilidade e incerteza em que a Alemanha e a União Europeia vão mergulhar. Nos anos 70-80, havia estabilidade através do chamado bipartidarismo imperfeito (a CDU e o SPD coligavam-se à vez com os liberais, um partido muito mais pequeno, mas charneira). Depois de Kohl, já com cinco partidos, a estabilização passava por não haver governos minoritários (desde a fundação da RFA que nunca houve nenhum). Nos últimos dezasseis anos, formaram-se duas grandes coligações CDU-SPD, uma SPD-Verdes e outra CDU-FDP. Agora, o espectro de Weimar assola e assoma o edifício do Reichstag e regressou a pulverização partidária com seis grupos parlamentares, dois deles radicais, um à esquerda e outro à direita. A Alemanha parece uma grande Noruega, Dinamarca ou Finlândia (ou até a agora colorida Suécia). Ou, o que não é melhor, uma grande Holanda ou Bélgica, que, aliás, já alastrou ao Luxemburgo. A Alemanha que era, com a França e o Reino Unido, um referencial de estabilidade partidária, tornou-se hoje uma incógnita, muito provavelmente sujeita a novo e turbulento ciclo eleitoral. Era bem conhecida a classificação de Lijphart das democracias consensuais do Norte da Europa por contraposição à democracia maioritária de Westminster. Pois agora, a Alemanha já é uma dessas democracias consensuais nórdicas e o Reino Unido deixou de ser a velha fortaleza maioritária. Com efeito, os britânicos precisaram de uma coligação entre 2011-2015 (conservadores-liberais) e vivem hoje, de 2017 em diante, na mais periclitante das coligações entre conservadores e radicais protestantes da Irlanda do Norte (DUP). Isto para já não falar da França, que, comparada com os outros dois gigantes, parece um oásis de estabilidade e de previsibilidade, com um Presidente que tem logrado vencer a rua, mas que, nunca o esqueçamos, mudou radicalmente o seu sistema partidário. E mudou há parcos meses, sem que ninguém se atreva a futurar sobre os próximos episódios.

5. Em poucas palavras, os sistemas partidários alemão, francês e britânico – e já agora, italiano, espanhol, dos países de leste e de tantos outros – entraram em mudança profunda, senão mesmo em convulsão. A instabilidade alemã vai perturbar o ciclo de negociações com Macron, vai mudar os dados e os prazos do "Brexit" (com a paisagem política britânica em agonia galopante), vai baralhar as contas nas eleições italianas, vai perturbar largamente a agenda reformista europeia, cuja aceleração era esperada para os próximos meses. E torna provável o ocaso de Merkel, que, como Thatcher ou Kohl, acabará por sair. Restar-lhe-á talvez uma boa saída nessa saída crepuscular; a saída boa que tudo poderia reverter: ser ela a candidata a Presidente da Comissão Europeia para 2019-2024 e aceitar o repto de Juncker, não vedado nos Tratados, de fundir esse cargo com o de Presidente do Conselho. Yo no creo en las brujas, mas que las hay, las hay.  

Sim e Não

Sim. Porto e sede da EMA. Com o tempo disponível, a cidade mostrou estar à altura de albergar uma grande instituição internacional. Designadamente, em sede de infra-estruturas logísticas e educacionais.

Não. Porto e sede da EMA. O critério mais desfavorável para o Porto foi o de o país ter já 2 agências (o que excluía a primeira escolha do governo). A escolha muito tardia e a falta do ministro à votação não ajudaram.

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