“É uma ilusão achar que podemos voltar ao ponto antes da crise”

Numa conferência sobre educação, Marcelo Rebelo de Sousa deixou vir ao de cima uma opinião que se aplica como uma luva às reivindicações dos professores.

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Marcelo Rebelo de Sousa visitou o Hospital Dona Estefânia LUSA/Tiago Petinga
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Presidente também interveio na conferência Ciência Portuguesa pelo Mundo, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Lisboa

Falava-se de educação, e do poder desta na conquista da igualdade, na Fundação Calouste Gulbenkian. Perante uma plateia cheia de professores, o Presidente da República deixou transparecer a opinião que não tem querido dar aos jornalistas, quando o questionam sobre as reivindicações dos docentes, que querem recuperar o tempo de serviço perdido com o congelamento das carreiras desde 2011 e em dois anos anteriores.

A crise deixou marcas profundas, é uma ilusão achar que é possível voltar ao ponto em que nos encontrávamos antes da crise – isso não há!”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa. E não há só uma ilusão, mas duas, acrescentou: “A segunda ilusão é achar que se pode olhar para os tempos pós-crise da mesma forma que se olhava antes [para os problemas], como se não tivesse havido crise. A crise deixou traços profundos e temos de olhar para eles”.

À conversa com Catarina Furtado, presidente da Associação Corações com Coroas, num momento em que se falava de violência e bullying, o chefe de Estado tinha identificado a crise que conduziu ao programa de ajustamento como uma das causas de agravamento de situações de violência. Foi a este pretexto que o discurso presidencial se soltou do tema em si e pareceu pairar sobre o processo reivindicativo dos professores.

“A sociedade tem de ter a coragem de assumir os seus problemas. Mas há muito a tendência portuguesa para o ‘mais ou menos’, o ‘assim-assim’, ou a tendência de ‘ganhar um tempinho’. É quando alguém pensa: ‘Bem, consegui ganhar um tempinho. Com sorte isto não dá errado’”.

No momento em que o Governo e os sindicatos assinaram um documento de princípio, que não tem soluções concretas, e adiaram para 15 de Dezembro o retomar das negociações, o paralelismo era evidente. Mas, para o Presidente, “a opção por ‘ganhar um tempinho’ normalmente não dá bom resultado”. Pelo seu lado, Marcelo diz ter “a postura contrária” e optar sempre por “baixar expectativas”.

Catarina Furtado bem o queria levar de volta à escola, e lá ia conseguindo, mas quando disse que Marcelo era optimista, tocou-lhe num ponto fraco: “Eu sou um optimista realista, uma fórmula que uso para me diferenciar de outros tipos de realismo, que também respeito”. Mas agora que o primeiro-ministro tinha sido chamado à conversa, ainda que por mera associação de ideias – António Costa é o "optimista irritante", na linguagem já comum entre os dois – era inevitável pensar que vinha aí mais um recado: “Temos de estar atentos permanentemente aos sinais dos tempos. O educador tem de antecipar as crises. Quem demora muito tempo a responder vai sempre a reboque dos acontecimentos”.

Mas quando é questionado pelos jornalistas com o processo reivindicativo dos professores, a conversa é outra. Como acontecera antes, no final da visita ao Hospital Pediátrico D. Estefânia: “O Presidente da República quer ver primeiro o teor efectivo do que foi acordado e se tem impacto no Orçamento do Estado (OE2018), não vale a pena antecipar. Veremos se alguns processos reivindicativos têm incidência no Orçamento, pode ser que não”.

Interrogado, depois, se não teme que se tenha aberto a "caixa de Pandora" e que se alargue a contestação dos professores a outras classes profissionais, Marcelo Rebelo de Sousa declarou: "Ora aí está um tema que, porventura, será bom para o Presidente da República se pronunciar quando tiver de analisar a promulgação do Orçamento. Como eu tenho o hábito de explicar a minha posição sobre os orçamentos, se for caso disso, eu não me esquecerei dessa sugestão”, prometeu.

Questionado sobre o facto de o líder parlamentar do PS, Carlos César, ter admitido que o défice de 2018 aumente de 1% para 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB), o chefe de Estado respondeu: “Mas isso não é por causa de nenhuma revindicação social. É por causa de uma situação trágica e os portugueses percebem que era preciso acorrer às tragédias de Junho e de Outubro”.

“Não se esqueçam que a tragédia com maior amplitude ocorreu depois de entregue a proposta de Orçamento do Estado e isso implicava um conjunto de despesas, investimentos e apoios, parte dos quais no OE2018, que tinha de ser feito na especialidade”, acrescentou. Com estas, o Presidente concorda. Aliás, em grande parte, exigiu-as na declaração que fez ao país e nos tempos que se seguiram.

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