O que está em jogo na conferência de doadores para os países das Caraíbas?

Em última análise, a questão é o que podemos fazer para preparar os nossos países para as mudanças climáticas. A alternativa é devastadora.

Nestes dias 20 e 21 de Novembro realiza-se em Nova Iorque uma conferência de doadores com o objectivo de mobilizar apoio internacional para a reconstrução dos países e territórios afectados pelos furacões. Esta temporada de furacões foi particularmente activa não só em termos de frequência mas também na sua intensidade. Dos cinco furacões categoria 3 ou mais, três atingiram directamente as ilhas. O resultado foi a trágica perda de vidas e devastação generalizada em 13 ilhas.

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Nestes dias 20 e 21 de Novembro realiza-se em Nova Iorque uma conferência de doadores com o objectivo de mobilizar apoio internacional para a reconstrução dos países e territórios afectados pelos furacões. Esta temporada de furacões foi particularmente activa não só em termos de frequência mas também na sua intensidade. Dos cinco furacões categoria 3 ou mais, três atingiram directamente as ilhas. O resultado foi a trágica perda de vidas e devastação generalizada em 13 ilhas.

Como a revista Time descreve, um furacão é uma arma de destruição maciça e ao mesmo tempo de alta precisão. Foi isso que fizeram os furacões Irma, José e Maria a ilhas como Dominica, St. Martin e Antígua e Barbuda: mais de 90% das infra-estruturas em Barbuda danificadas ou destruídas e mais de 70% noutras ilhas; mais de 130 escolas e 2,4 milhões de crianças afectadas; habitações, agricultura e outros negócios gravemente danificados. Durante os três dias consecutivos em que os ventos chegaram aos 300 km/h, lembro-me de pensar se isto estivesse a acontecer em Portugal, se isto fosse na minha cidade, Porto, e 90% das infra-estruturas de repente fossem destruídas. Marcou-me especialmente uma residente de Barbuda que, ao voltar à ilha (a população foi evacuada para Antígua), teve de pedir indicações para a própria casa, por não reconhecer nada à sua volta.

Como o secretário-geral António Guterres mencionou no contexto da sua visita a Dominica e Barbuda, os modelos científicos previram há muito o aumento do número de furacões de categorias 4 e 5. No entanto, estão a acontecer mais cedo do que o esperado: “Ao longo dos últimos 30 anos, o número de desastres anuais relacionados com o clima quase triplicou e as perdas económicas quintuplicaram”, já que “as mudanças climáticas estão a aquecer os mares. Isso, por sua vez, significa mais vapor de água na atmosfera. Quando as tempestades chegam, trazem mais chuva. Um clima mais quente exponencia a intensidade dos furacões. Em vez de se dissiparem, ganham mais força [...]. Com mais pessoas a viver no litoral, os danos são e serão maiores.” Em Bona, na COP 23, discutiram-se estes e outros temas. Precisamos fazer tudo o que é o possível para interromper esta tendência e para isso a implementação do Acordo de Paris é fundamental. Não é um luxo, é um imperativo.

O que está então em jogo na conferência de doadores? Reconstruir a infra-estrutura não será suficiente. O Irma foi o primeiro furacão de categoria 5 a atingir estas ilhas mas não será certamente o último. Dado o nível de devastação e antecipando que a frequência e intensidade se tornarão na nova realidade da região e não só (e.g., o primeiro-ministro das Maldivas convocou uma reunião de ministros debaixo de água, para alertar sobre as consequências das mudanças climáticas), é necessário reconstruir melhor. Estas ilhas são altamente vulneráveis aos riscos climáticos e exigem investimentos sérios para reduzir vulnerabilidades e mitigar o impacto dos desastres naturais. Para construir estruturas com resiliência às mudanças climáticas, o financiamento externo é essencial. No entanto, com um PIB per capita de cerca 9000 USD, a maioria destes Estados não são elegíveis para financiamento dos doadores que os classificam como países de rendimento médio/alto.

É necessária uma abordagem de longo prazo para construir resiliência em toda a região das Caraíbas através de um conjunto de políticas que fortifiquem as costas e as cidades. Instrumentos de financiamento como esquemas de seguros regionais e “debt swaps” são um passo na direcção certa. Para além disso, é imperativo um maior investimento na redução de riscos de desastres. E é urgente rever a classificação dos países para que possam aceder a financiamento em termos e condições adequados às suas necessidades e circunstâncias específicas.

Há ainda pessoas que duvidam que existe uma ligação entre as mudanças climáticas e este tipo de desastres naturais. Sinceramente penso que já não temos tempo para debates ideológicos. Como referiu o Secretário-Geral da CARICOM, "nós estamos a viver as mudanças climáticas. Representa uma ameaça existencial para a nossa região”. Em última análise, a questão é o que podemos fazer — agora, já — para mitigar e preparar os nossos países. A alternativa é devastadora.