Coleccionador de arte brasileiro que criou Inhotim condenado a nove anos de prisão

Um tribunal federal brasileiro deu como provado que Bernardo Paz, o multimilionário que fez fortuna na mineração e que em 2006 fundou um parque para a arte contemporânea, é culpado de lavagem de dinheiro. Defesa já recorreu da decisão.

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Bailarinos da companhia Lia Rodrigues interpretam Trou Rouge, uma peça que a coreógrafa criou em 2014 com o artista plástico brasileiro Tunga William Gomes

O empresário Bernardo Paz, o homem que idealizou o Instituto Inhotim, um vasto parque em Belo Horizonte dedicado à arte contemporânea, foi condenado a uma pena de prisão de nove anos e três meses por lavagem de dinheiro, noticiou no final da passada semana a imprensa brasileira.

Com este multimilionário que deve boa parte da sua fortuna à exploração mineira foi também condenada a cinco anos e três meses, e pelo mesmo crime, a sua irmã, Virgínia Paz.

Segundo O Globo, a defesa já recorreu da decisão do tribunal que envolve o criador daquele que é um dos maiores museus a céu aberto da América Latina. Escreve este diário que a justiça brasileira deu como provado que, em 2007 e 2008, o Flamingo Investiment Fund, um fundo sediado fora do país e alimentado por vários dos seus investimentos, transferiu quase 100 milhões de dólares (85 milhões de euros) para a empresa Horizontes, criada pelo empresário para manter o parque de Inhotim a funcionar.

O Ministério Público diz que este dinheiro, recebido em doações e empréstimos para o Instituto Inhotim, foi depois canalizado “para o pagamento dos mais variados compromissos de empresas de propriedade de Bernardo de Mello Paz, tendo sido constatados diversos saques em espécie nas contas do grupo sem que se pudesse identificar o destino final dos valores”.

O jornal Folha de S. Paulo acrescenta que os factos dados como provados dizem respeito a um período em que Bernardo Paz era dono do conglomerado Itaminas, que reunia 29 empresas, na sua maioria a operar nas áreas da extracção e transformação de minérios. Esse grupo foi vendido em 2010 a uma companhia pública chinesa por 1,2 mil milhões de dólares (mil milhões de euros), numa altura em que as dívidas dos seus sócios ascendiam já a 400 milhões (340 milhões de euros).

Segundo a acusação, Bernardo Paz, que tal como a irmã está a responder ao processo em liberdade, “pulverizava” o dinheiro que entrava pelos seus empreendimentos para dificultar o trabalho das Finanças, sempre interessadas em seguir as movimentações para efeitos fiscais.

“Ficou claramente constatada a existência de enorme confusão patrimonial e contábil entre as diversas empresas do grupo Itaminas”, defendeu a juíza Camila Velano, aqui citada pelo Globo. Também ficou demonstrado, ainda segundo a magistrada, que “a conta da Horizontes [empresa que gere o parque de arte nos arredores de Belo Horizonte] não visava unicamente a manutenção do Instituto Cultural Inhotim, mas servia também de conta intermediária para diversos repasses às empresas do grupo Itaminas”.

A Virgínia Paz caberia a função de dissimular os montantes oriundos do estrangeiro. O advogado dos dois irmãos, Marcelo Leonardo, garante que todas as operações financeiras em causa são regulares e que as acusações a Virgínia são particularmente absurdas, já que ela nunca geriu qualquer das empresas do grupo.

Em declarações à Folha, o advogado fez também questão de sublinhar que as movimentações escrutinadas pelo Ministério Público nada têm a ver com Inhotim, que continua a funcionar sem constrangimentos.

Numa nota à comunicação social, o Instituto Inhotim lembrou que vive de doações e de contribuições ao abrigo da lei do mecenato, que não tem fins lucrativos, que é considerado uma organização de utilidade pública e que funciona sem ligações às empresas de Bernardo Paz, “não respondendo ou participando, portanto, de nenhuma questão de âmbito pessoal que o envolva”.

Segundo a publicação especializada The Art Newspaper, a mesma nota acrescenta que, todos os anos, as contas do instituto são públicas, “cuidadosamente escrutinadas” pelo Ministério da Cultura e auditadas pela Ernst & Young, uma consultora independente.

O parque-museu, que começou a ser idealizado em meados da década de 1980 pelo empresário da metalurgia que agora responde perante a justiça, ocupa hoje uma área de mais de 100 hectares em Brumadinho, na área metropolitana de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais.

Esta propriedade com espécies botânicas oriundas de todo o mundo, com cinco lagos artificiais e uma colecção de 500 obras de arte à sua guarda, muitas delas ao ar-livre, tem 18 galerias de exposição permanente e quatro para temporárias. Do seu acervo de pintura, escultura, vídeo, fotografia e instalação de artistas brasileiros e internacionais fazem parte peças de Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Adriana Varejão, Tunga, Miguel Rio Branco, Doris Salcedo, Yayoi Kusama ou Matthew Barney.

A sua equipa de curadores já teve uma portuguesa, Marta Mestre.

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