Mais do que a água que falta

A água está a desaparecer dos rios portugueses, das albufeiras, e a ficar sem qualidade. Aumenta o número de camiões-cisterna que levam a água ao interior à medida que os dias de sol se sucedem. Pressente-se o pior, uma espécie de rolo compressor que se pôs a caminho e sem travagem à vista.

Percorram-se troços do rio Tejo em Espanha e testemunhe-se o desastre. Entre os habitantes de províncias de Castela-La Mancha e os de Múrcia, para onde vão milhões de hectolitros de água retirados ao Tejo, a guerra soa já bem alto entre conterrâneos, e não é apenas por causa de um modelo de agricultura que esgota tudo à sua volta. No Norte, onde os leitos, como o do Douro, também vão morrendo, ouve-se igualmente o clamor.

Uma parte do desastre já atravessou a fronteira, a outra não demora. Como as perspectivas de solução do problema não estão à vista, o desastre da água em Espanha deixa de ser um problema apenas entre conterrâneos e passa a ser transfronteiriço. Já o é, aliás. Tratada com pinças até agora — até porque tem um convénio internacional a regulá-la —, a relação entre Portugal e Espanha por causa dos seus rios comuns não pode escapar a um debate difícil sobre o que cada um anda e quer fazer com a sua água.

A questão, que pode começar na seca, na mudança climática, é cada vez mais uma combinação de factores, desde a própria gestão da água ao ordenamento do território e despovoamento. O duro testemunho disso, do lado de cá da fronteira, são as populações do interior que hoje têm água na torneira graças aos autotanques, e discutem se a que ainda têm chega para 10 ou 20 dias. Se tudo fosse só culpa da seca, seria mais fácil.

Em 2015, quando mais de uma centena e meia de líderes mundiais adoptaram os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável para todos os países do mundo aplicarem até 2030, era fácil remeter o assunto mais para leste e para o hemisfério sul. Hoje, os 17 pontos que definem esses objectivos de combate a novas formas de pobreza no planeta parecem servir também a um hemisfério norte cada vez mais sul. Por exemplo, a necessidade de disponibilidade e gestão sustentável da água; de padrões de produção e de consumo sustentáveis; de gestão sustentável das florestas e de combate à desertificação. Já sem contar com a necessidade de combater a mudança climática, a promoção de agricultura e energias sustentáveis.

No próximo dia 27, data anunciada para uma reunião entre os ministros responsáveis pela água nos dois países, ver-se-á até onde estão dispostos a ir. A renegociação do acordo parece obrigatória, só falta mesmo a água.

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