Em busca de um Governo perdido

Não precisamos de um Governo para apagar fogos – no sentido literal e metafórico do termo – mas de um Governo que os saiba prevenir e dominar a tempo.

Aconteceu esta semana um crucial momento de verdade para o Governo de António Costa, confrontado com as reivindicações dos professores e as que prometiam seguir-se por parte de polícias, militares e outras profissões tuteladas pelo Estado. Para além das habilidades retóricas – em que se destacou uma emblemática declaração de Costa: “Em abstracto é possível” –, o objectivo dos professores de recuperar os anos de carreira perdidos parecia incompatível com as linhas mestras do próximo Orçamento do Estado (OE) e dos compromissos com Bruxelas. Daí a sentença de Mário Centeno, segundo a qual o tempo de serviço dos professores durante o período de congelamento não seria contabilizado para efeitos de progressão. Como sair deste imbróglio? Ninguém sabe, apesar das negociações de última hora. E mesmo que se salvem transitoriamente as aparências, o fundo da questão permanece e os problemas pendentes ameaçam regressar a todo o instante.

De facto, estamos perante a quadratura do círculo. A satisfação das reivindicações salariais do nosso vasto sector público, que constitui uma das chaves da sobrevivência da chamada geringonça, não parece ser compaginável com a arquitectura orçamental desenhada por Centeno para obter a aprovação europeia. Além disso, essa satisfação seria dificilmente conseguida sem uma degradação ainda mais acelerada das infraestruturas, equipamentos e qualidade média dos serviços públicos (nomeadamente nas áreas cujos profissionais exigem a reposição dos seus vencimentos, como as escolas ou os hospitais - e não apenas por causa das cantinas escolares ou da legionella). Finalmente, a tragédia dos fogos de Verão – com o posterior agravamento da seca – expôs a extrema vulnerabilidade em que se encontra o interior do país e impôs a urgência de uma estratégia de revitalização económica, social, humana, que os poderes públicos descuraram ao longo de décadas. Sem esquecer o compromisso inadiável de contemplar os custos humanos e materiais dessa tragédia, o que não poderá deixar de pesar fortemente no próximo OE, por mais ajudas e testemunhos de compreensão que se recebam de Bruxelas.

A conclusão é óbvia: não há milagres que permitam acudir a todas as situações ou expectativas. Na actual relação de forças europeia, o objectivo de reestruturação da dívida – por mais justa e pertinente que seja – não se afigura na ordem do dia, mas, por outro lado, só por irremediável cegueira se pretenderá que Portugal poderá subsistir fora da zona euro. Seria indispensável, por isso, um esforço de pedagogia e uma visão estratégica que têm faltado, clamorosamente, ao actual Governo, cada vez mais refém do equilíbrio precário entre a geringonça e Bruxelas para poder sobreviver. Tal como seria também necessário um sentido de responsabilidade e moderação protestativa que tem escasseado entre as categorias profissionais dependentes do Estado e, em particular, entre os parceiros políticos do Governo e os partidos da Oposição (mergulhados numa vaga demagógica obscena na exploração das tragédias).

Não foi por acaso que um episódio como o jantar no Panteão, para além do seu mau gosto macabro, suscitou tanto nervosismo entre os responsáveis políticos, com cada qual a sacudir a água do capote numa manifestação de hipocrisia anedótica perante um acontecimento que apenas repetia eventos anteriores e não deveria ser surpresa para ninguém. Sintomaticamente, a esse nervosismo não escapou António Costa, que parece constrangido a correr cada vez mais atrás do prejuízo perante qualquer incidente supostamente comprometedor. Ora, não precisamos de um Governo para apagar fogos – no sentido literal e metafórico do termo – mas de um Governo que os saiba prevenir e dominar a tempo. É esse Governo que anda por aí, algures, perdido, e que urge encontrar.

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