Funchal endurece discurso com Lisboa

Depois de dois anos de cordialidade institucional, o Funchal recupera dialéctica mais reivindicativa.

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Miguel Albuquerque com António Costa durante uma visita oficial à Madeira, em 2016 GREGÓRIO CUNHA

“Não merecemos, não aceitamos, nem podemos admitir.” No final de Outubro, no Salão Nobre do parlamento madeirense, o sublinhado do discurso com que o novo vice-presidente do governo regional tomou posse, após uma profunda remodelação no executivo, serviu para mostrar ao que vinha.

Frente à elite política e económica do arquipélago, e com Alberto João Jardim na plateia a abanar a cabeça que sim, Pedro Calado falou directamente para Lisboa, endurecendo o discurso como há muito não se ouvia no Funchal.

O Estado, vincou, não pode discriminar a Madeira, subjugando os anseios e legítimos interesses dos madeirenses a uma lógica de tomada de poder.

Em causa está o Orçamento de Estado para 2018, que o governo do social-democrata Miguel Albuquerque diz que não respeita uma série de compromissos para com a Madeira. À cabeça está a ausência da inscrição de uma verba para o arranque da construção do novo hospital do Funchal, para o qual o Primeiro-ministro António Costa se comprometeu a pagar metade dos 340 milhões de euros estimados.

Seguem-se as dívidas dos subsistemas de saúde (Forças Armadas e PSP) à região e a redução da taxa de juro do empréstimo que a Madeira contraiu junto do Estado, aquando do resgate financeiro do arquipélago em 2012.

Questões que têm sido afloradas nos contactos sucessivos entre os dois governos, e que ficaram de fora do Orçamento.

Estratégia socialista, diz o PSD

Nos corredores do governo regional e nos gabinetes do PSD-Madeira não existem dúvidas que estas omissões obedecem a uma estratégia desenhada no Largo do Rato, para destronar o partido que governa a Madeira desde 1976. O horizonte é já o das eleições regionais de 2019.

O PSD, ainda a lamber as feridas das últimas autárquicas, onde obteve o pior resultado de sempre, e com as feridas abertas no processo de sucessão de Jardim por sarar, parece ser um alvo fácil para a oposição.

O PS, liderado por Carlos Pereira, tem vindo a subir nas sondagens para valores nunca vistos no arquipélago: as últimas colocam-no a um ponto de Albuquerque. E, mesmo acossado por uma facção que prefere ver Paulo Cafôfo, o independente autarca do Funchal a encabeçar uma candidatura do partido em 2019, Pereira tem conseguido capitalizar o bom momento que a esquerda atravessa no país ao mesmo tempo que vai explorando as fraquezas que o CDS apresenta, para recuperar, pelo menos no discurso, o lugar de principal partido da oposição.

Resta ao PSD fazer o que sempre fez: unir-se em torno de um inimigo externo, em resposta ao que diz ser um bloqueio de Lisboa. A narrativa musculada, que Pedro Calado recuperou e que o próprio Albuquerque tem amplificado, foi uma das marcas de água do jardinismo, que tantas maiorias absolutas deu ao PSD-Madeira.

Dinâmica mais truculenta

Por isso não se estranha que, depois destes dois primeiros anos de cordialidade institucional entre os dois governos, as relações Funchal-Lisboa conheçam agora uma nova dinâmica. Mais truculenta.

Esta sexta-feira, por exemplo, durante uma audição sobre o Orçamento na Assembleia da República, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças rejeitou a redução dos juros da dívida pagos pela Madeira. Ricardo Mourinho Félix argumenta que os custos iniciais do financiamento não desapareceram, instando a região autónoma a cumprir o que “acordou” com a República e a adoptar uma “política rigorosa” que permita pagar “o empréstimo que pediu”.

Calado ouviu e não gostou. Lembrou que não só não há prestações em atraso como Lisboa não permitiu que a Madeira pagasse antecipadamente. “Será que o Governo da República tem ganho com os juros do empréstimo à região? Eu tenho a certeza que sim”, disse aos jornalistas o vice do executivo madeirense, que esta semana esteve no Ministério das Finanças reunido com Mário Centeno.

Em cima da mesa, Pedro Calado colocou uma lista de questões pendentes. Entre as já referidas dívidas dos subsistemas de saúde, receita da sobretaxa do IRS cobrado na região e outros dossiers, a Madeira reclama perto de 140 milhões de euros. 

Em alternativa, o governo insular pede a suspensão de artigos da Lei das Finanças Regionais que permita encontrar soluções de financiamento para colmatar essas verbas. 

Centeno respondeu “nim”. Ao PÚBLICO, Pedro Calado admite uma “postura reivindicativa” na defesa “intransigente” da Madeira.

“Tudo aquilo que possa colidir com o nosso programa e com a defesa dos legítimos interesses dos madeirenses, merecerá sempre da nossa parte uma actuação muito reivindicativa e uma acérrima defesa.”

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