Avaliações dos cursos universitários

A forma como a Agência de Avaliação do Ensino Superior funciona inibe a inovação na formação universitária.

Com a excelente intenção de garantir boa formação universitária em Portugal, o professor Mariano Gago, então ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, criou a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) em 2007. Desde o início da sua actividade em 2009 a A3ES tem vindo a prestar um importante serviço ao país, fechando vários cursos “superiores” e bloqueando várias propostas de cursos de baixa qualidade. Evitou-se assim que muitos jovens caíssem na ilusão de entrar em cursos universitários que não lhes ofereceriam um mínimo de preparação para a vida.

Com o objectivo declarado de assegurar a “melhoria da qualidade do desempenho das instituições de ensino superior”, seria de esperar que a A3ES utilizasse métodos para avaliar objectivamente a qualidade do “produto” dos cursos universitários. Mas na realidade a actividade da A3ES está focada quase exclusivamente em avaliar aspectos do funcionamento dos cursos, tal como número de docentes doutorados contratados a 100%, a qualidade das instalações, a empregabilidade dos formados, etc. Embora o sistema omita a avaliação objectiva da qualidade dos formados, ele tem funcionado bem para suprimir os casos mais flagrantes de mediocridade.

É sabido que medidas tomadas com boas intenções por vezes têm consequências imprevisíveis. No caso da A3ES, a forma como funciona infelizmente teve o efeito de inibir inovação na formação universitária. Assim, novos cursos com métodos inovadores de aprendizagem, capazes de produzir formados de alta qualidade, podem ser “chumbados” por um sistema de avaliação mais preocupado com o formato do curso do que com a qualidade dos formados.

Não é fácil avaliar de forma objectiva a qualidade dos formados em cursos universitários: por um lado, a definição de “qualidade” de um recém-formado é controversa e, por outro, não existe muita escolha de ferramentas objectivas para avaliar essa “qualidade”. Possivelmente essa seria uma explicação para a metodologia adoptada pela A3ES. É interessante que no site da A3ES (www.a3es.pt), nas páginas com a definição dos “Objectivos” e com a definição da “Política de Qualidade”, a palavra “objectivo” aplicada como adjectivo à metodologia nunca aparece no texto, sugerindo ausência de interesse na objectividade das avaliações.

Seria de esperar que na secção de “Estudos” (http://www.a3es.pt/pt/estudos) aparecessem trabalhos sobre como assegurar objectividade nas acções da Agência. Mas não. Há estudos sobre indicadores de empregabilidade, garantia de qualidade, etc., mas nada sobre como garantir objectividade na avaliação do “produto” universitário. Note-se que “empregabilidade” só em parte se relaciona com a qualidade da formação. Não parece pois haver planos para desenvolver metodologias objectivas ou procurá-las além-fronteiras.

Há um trabalho à espera de ser feito que é ir colher informação entre os empregadores do “produto” das universidades sobre a forma como funcionam os recém-formados admitidos ao trabalho. Essa seria uma forma objectiva de avaliar a qualidade do “produto” que permitiria comparação entre universidades. Já se sabe que algumas indústrias e organismos do Estado, ao escolherem novos recrutas, preferem candidatos formados em certos cursos e em certas universidades, o que indica que estão a utilizar métodos e dados disponíveis que a A3ES poderia adoptar. Será que a A3ES poderia obter directamente dos empregadores informação sobre como eles avaliam os seus empregados? Poderá a A3ES apostar mais em métodos que dão relevo à avaliação da qualidade do “produto” e menos aos métodos de produção?

Pergunto ao leitor se, ao escolher um frigorífico novo, prefere saber os detalhes do funcionamento da fábrica ou prefere conhecer a eficiência e a durabilidade do produto?

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