Costa ao ziguezague

Lição número um da vida política: nunca é possível contentar todos ao mesmo tempo. Nem em tempos de “geringonça”. Ou sobretudo em tempo dela.

O problema via-se à distância — e não faltaram avisos para alertar os socialistas mais desatentos. O Governo apresentou uma proposta de Orçamento que deixou boa parte dos professores com um sentimento de perda. E a perda de nove anos de carreira não é um problema do passado, é de todos os anos à frente deles: são muitos anos a ganhar menos do que ganhariam se aqueles anos fossem contados.

O primeiro erro foi na gestão de expectativas — e nesse campo a viagem por esta semana é alucinante. O Governo começou por dizer “não” e recusar uma reunião com os sindicatos. Depois vieram os “sms” trocados entre António Costa e o líder da UGT, abrindo porta a uma negociação. A seguir veio uma frase de uma secretária de Estado, dizendo na AR que alguma contagem poderia ser feita. Depois, uma fonte em off a acrescentar que só em 2021 haveria dinheiro. E, em sequência, o primeiro-ministro a dizer que a reivindicação era “legítima”, mas que não haveria dinheiro tão cedo. Até que ontem Mário Centeno acabou com as ilusões: não haverá contagem nem há qualquer direito. Costa ficou-se pelo mais ou menos: “Em abstracto, é possível.” E em concreto, sr. primeiro-ministro?

Mas o maior erro é o do argumento: não há dinheiro. Acontece que há, mas o Governo teve outras opções. Costa e Centeno podiam, em tese, ter apostado uma margem maior do OE 2018 numa reposição integral das carreiras e salários da Administração Pública, mas preferiram distribuir uma parte desse bolo por outras medidas — e por outros portugueses. Podiam ter prescindido, por exemplo, de um segundo aumento extra das pensões, ou até de uma baixa do IRS. É legítimo que tenham preferido agradar a mais pessoas (que também precisam e que também votam). Mas dizer que “não há dinheiro” não é argumento.

Mais linear é o argumento de Centeno: direito congelado não pode ser recuperado. Mas ao admitir que, “em abstracto, é possível” reconhecer o direito, António Costa criou uma expectativa e abriu uma caixa de Pandora. Passou do ponto em que inevitavelmente teria um problema com os professores para aquele em que o terá também com forças policiais, magistrados e militares — os que continuam a progredir nas carreiras sobretudo com uma contagem de calendário.

É um mistério como este primeiro-ministro, que ganhou a fama de exemplar na gestão política, andou toda a semana ao ziguezague com o dilema dos professores. Sem perceber a lição número um da vida política: nunca é possível contentar todos ao mesmo tempo. Nem em tempos de “geringonça”. Ou sobretudo em tempo dela.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários