COP-23: Na estrada para lado nenhum

As notícias que nos chegam do clima, ao contrário das notícias sobre a cimeira, não são banais.

Concluída a COP-23, os resultados concretos não ultrapassaram a agenda: construir um documento que especificasse algumas regras para a implementação do Acordo de Paris, que será aprovado na próxima Cimeira do Clima, em 2018, na Polónia. As centenas de páginas do documento são o primeiro esboço para as regras de opções de redução de emissões, transferência de tecnologia e meios financeiros para os países mais pobres, assim como para padrões globais de contabilização das emissões, que durante o próximo ano estarão em discussão. O problema é que esta discussão começou em 1990.

As notícias que nos chegam do clima, ao contrário das notícias sobre a cimeira, não são banais: em 2017 as emissões de dióxido de carbono voltaram a subir, depois de três anos de estagnação, péssimo sinal em termos de viabilidade de travar o aumento da temperatura nos 2ºC. A Síria assinou o Acordo de Paris, o que faz com que os Estados Unidos da América se tornem oficialmente o único país do mundo que está fora do acordo para salvar a Humanidade do colapso. Esta é a posição histórica dos EUA: o país mais responsável pelas alterações climáticas da História, maior poluidor em termos cumulativos e maior produtor mundial de combustíveis fósseis, é o sabotador-mor de negociações sobre o clima. Trump, ainda assim, mandou uma comitiva a Bona, onde decorreu a cimeira, para promover a energia nuclear e o carvão como forma de “combater” as alterações climáticas.

Macron e Merkel aproveitaram o facto de a cimeira das ilhas Fiji ter sido deslocada para o seu território para afirmar “liderança climática”, substituindo os EUA no papel de líder de combate às alterações climáticas (o que deixa muitas dúvidas, considerando tudo o que fez a liderança americana). As contradições alemãs foram expostas em duas acções de desobediência civil: na véspera da COP-23, a invasão das minas de carvão do Reno, e na segunda semana da COP a invasão da central térmica a carvão de Weisweiler, da RWE. Em plenas negociações para a formação de um governo na Alemanha, as discussões entre o partido de Merkel, os Verdes e os Liberais têm como polémica o fim do carvão na Alemanha, com o qual Merkel não se compromete (neste momento, o Estado subsidia o carvão em 3,2 mil milhões de euros anuais).

A próxima cimeira verá novamente esta polémica presente, já que a Polónia é o principal promotor do carvão na Europa. Em sentido contrário, 25 países (incluindo Portugal, Reino Unido, França, Itália e Canadá) assinaram um compromisso para acabar com a utilização de carvão até 2030, selando o destino das centrais térmicas de Sines e do Pego (que importa encerrar o mais rápido possível).

No curto-prazo, foi revelado que os compromissos nacionais entregues em 2015 para o Acordo de Paris só conseguirão cerca de um terço dos cortes de emissões necessários até 2030 e que o compromisso de financiar a acção climática em 100 mil milhões de dólares por ano continua muito longe de se tornar realidade.

Mas a parte “bem-sucedida” da COP-23 foram os negócios à volta das “oportunidades” das alterações climáticas: as resseguradoras lançaram um esquema de micro-seguros para 400 milhões de pessoas pobres em zonas de risco, parcerias público-privadas em que os Estados assumem os riscos e as seguradoras ganham milhões de clientes. Anunciou-se a expansão do Comércio Europeu de Licenças de Emissões, que integrará a China e possivelmente a Califórnia. Este sistema de especulação com emissões rendeu 22 mil milhões de euros em 2016 e 26 mil milhões de euros em 2015. Entretanto, em termos de emissões fica por saber se esse dinheiro todo produziu uma só tonelada de dióxido de carbono não emitida, além de ter sido utilizado para reinvestir na indústria dos combustíveis fósseis. Anunciado como vitória pela UE, este sistema bloqueia a transição energética, entre outros, nos produtores de cimento e de aço. Foi ainda revelado que o Plano Juncker garantiu, com dinheiro do orçamento da União Europeia, pelo menos 1,85 mil milhões de euros em empréstimos arriscados à indústria fóssil.

Entre o que se promete cortar e o que realmente se corta, entre o que se declara emitir e o que realmente se emite, entre o tempo em que se diz que se vai cortar e o tempo em que se corta mesmo e entre o efeito de certas propostas e a realidade concreta das mesmas, os adiamentos, as omissões e as fraudes continuam a fazer a estrada para lado nenhum nas cimeiras do clima e apenas as acções concretas de movimentos e populações conseguem ser lombas no caminho.

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