Revisores preocupados com agente único nos comboios

Alterações na regulamentação ferroviária abrem a porta a que comboios circulem só com o maquinista, dizem os revisores

Foto
A CP já transmitiu que vai continuar a operar sempre com um mínimo de dois agentes nos seus comboios Enric Vives-Rubio

A simplificação das normas de segurança ferroviária, até agora dispersas em inúmeros regulamentos e anexos, preocupa o Sindicato da Revisão Ferroviária e Itinerante (SRFCI) que põe em causa a possibilidade de os comboios poderem circular só com um agente – o maquinista – dispensando a presença a bordo de qualquer revisor ou outro agente operacional. 

Esta possibilidade já existe há cerca de 20 anos para os comboios de passageiros, mediante um conjunto de requisitos que tornam essa prática excepcional. A revisão em curso da regulamentação ferroviária não altera esses pressupostos, mas, ainda assim, Luís Bravo, do SRFCI, diz que a segurança dos passageiros fica afectada. Não para já, porque a CP já transmitiu que vai continuar a operar sempre com um mínimo de dois agentes nos seus comboios, mas devido à previsível entrada de novos operadores aquando da liberalização do transporte ferroviário de passageiros em 2020.

“Como serão empresas privadas e a lógica será o lucro, vão obviamente aproveitar para só terem um agente nos comboios, deixando os passageiros desprotegidos”, diz Luís Bravo.

O sindicalista sabe que o Regulamento de Segurança Ferroviária depois de revisto continua a considerar que a prática do agente único deve ser excepcional, mas acha que a simplificação das normas remete para as empresas a possibilidade de virem a operar com critérios mínimos de segurança com todos os riscos que isso implica.

“Se houver uma colhida e a vítima for projectada umas dezenas de metros para a frente do comboio não há ninguém para lá ir socorrer porque o maquinista não está autorizado a abandonar a cabine. Se um passageiro ficar subitamente doente a bordo, não há um segundo agente para prestar assistência e pedir socorro de acordo com os regulamentos”, exemplifica.

Apesar de a CP até estar presentemente a recrutar revisores, a perspectiva de os comboios poderem vir a circular com um agente único levou alguns sindicatos ferroviários a fazerem um pré-aviso de greve para o dia 30 de Novembro.

O Regime Geral de Segurança permite que os comboios circulem só com o maquinista desde que tenham controlo de velocidade automático, rádio-solo para comunicar com o centro de controlo operacional, equipamento de telecomunicações a bordo para os passageiros comunicarem com o maquinista, portas automáticas com sistema anti-entalamento, entre outros.

Estes critérios, que dependem muito da tecnologia instalada a bordo e na infraestrutura, reduzem bastante a possibilidade de os comboios circularem com agente único. Dois terços da rede ferroviária não são compatíveis com essa prática. A CP poderia fazê-lo em algumas linhas suburbanas, mas optou por manter sempre revisores nos comboios.

Já a Fertagus há 18 anos que opera com agente único. Os seus comboios circulam apenas com um ferroviário (o maquinista), excepto no troço entre Pragal e Lisboa por causa da travessia do Tejo e consequente necessidade de evacuação dos passageiros em caso de acidente na ponte.

A empresa orgulha-se de apresentar relatórios de segurança com índices muito reduzidos de ocorrências, mas Luís Bravo diz que a empresa omite informação, o que só é possível porque o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes) não tem meios para exercer a sua actividade de controlo.

Nos comboios de mercadorias, as longas horas – muitas vezes nocturnas – destas jornadas de trabalho recomendam a existência de um segundo elemento na cabine de condução. O mesmo que deve sair da locomotiva se houver um acidente e que também faz as operações de engate e desengate de vagões e a verificação dos freios ao longo da composição.

Contudo, Luís Bravo diz que foi-lhe transmitido por ferroviários da Takargo (empresa privada do grupo Mota Engil) que esta “já ensaiou algumas circulações só com um agente” e que tal só aconteceu porque não há fiscalização e porque os maquinistas têm contratos precários e acabam por aceitar.

O PÚBLICO contactou a Takargo para confirmar esta informação, mas não obteve resposta.

Sugerir correcção
Comentar