Ana Laíns e as canções de um país chamado Portucalis

Entre o fado e a música tradicional portuguesa, Ana Laíns lança o seu terceiro disco, Portucalis, ao vivo em Lisboa, Porto e Figueira da Foz. Começa este sábado, dia 18, no Museu Nacional de Arqueologia, em Belém, às 22h.

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Ana Laíns fotografada para a capa de Portucalis LILIA REIS

Ana Laíns tem um novo disco, o terceiro de uma carreira que já vai a caminho das duas décadas. Deu-lhe o nome de Portucalis e vai apresentá-lo ao vivo em três concertos. Primeiro em Lisboa, este sábado, no Museu Nacional de Arqueologia (nos Jerónimos, em Belém), às 22h. Depois no Porto, na Casa da Música, na quinta-feira dia 23, às 21h30. E por fim no Casino da Figueira da Foz, sexta-feira dia 24 às 22h. Participam como convidados Luís Represas (só em Lisboa) e Mafalda Arnauth (nas três noites).

Nascida em Tomar, em 1979, Ana Laíns cantou o fado pela primeira vez em público em 1995, aos16 anos, foi vencedora da Grande Noite do Fado em 1999 e lançou o primeiro disco em 2006 (Sentidos), o segundo em 2010 (Quatro Caminhos) e Portucalis agora. Pelo meio, nomeada pela Associação 8 Séculos da Língua Portuguesa embaixadora das comemorações, encabeçou um concerto no CCB, em 2015, para o qual convidou vários músicos, entre os quais Ivan Lins, Aline Frazão, Celina Pereira ou Paulo de Carvalho.

Um país de utopia

Voltando ao novo disco: “Portucalis é uma palavra que eu julguei ter inventado, há muitos anos, mas depois percebi que não inventei nada”, diz Ana Laíns ao PÚBLICO. “Na altura, tão miúda, há 19 anos, quando tive a primeira banda de música tradicional portuguesa, chamei-lhe Ana Lains e Portucalis. Porque esse nome me remetia para um lugar encantado e místico. E essa palavra tem-me acompanhado sempre. Chegada a hora de gravar este disco, que celebra 18 anos de carreira e aquilo que tem sido o meu laboratório, achei que fazia sentido pegar numa palavra que carimbasse este sumário. Na minha cabeça, e na minha prática do dia-a-dia, eu vivo em Portucalis, seguramente.”

Neste país utópico, onde ela vislumbra alguma esperança no futuro de Portugal, cabem fados e outras canções com raízes na tradição portuguesa. “Depois de gravar o Quatro Caminhos ganhei mais consciência por esta minha paixão, enorme e inexplicável, por tudo o que é étnico e português: o galo de Barcelos, os adufes. Em 2009 comecei a cantar na Taverna dos Trovadores, em Sintra, que é um santuário da música tradicional portuguesa, e isso ajudou-me a ganhar ainda mais consciência de toda esta identidade.”

Dos fados às canções

O primeiro tema cantado do disco é O fado do tempo morto, de Carlos Leitão, no Fado Menor. “Sou muito ligada ao simbolismo das coisas. E quis que fosse o Fado Menor a representar esta minha dualidade, entre a ruralidade da música tradicional e a urbanidade do fado e da guitarra portuguesa. Esse fado é como se eu estivesse a rezar.”

Já o Fado das horas, de D. António de Bragança, é uma versão de um fado antigo. “Sendo este disco um sumário, e eu sempre cantei o Fado das horas acompanhada ao piano pelo meu marido [Paulo Loureiro], que é o produtor do disco, lá consegui que ele assumisse pela primeira vez, essa responsabilidade. Queria muito gravá-lo, porque sou muito aficionada pela Maria Teresa de Noronha, por esse lado elegante que ela trouxe ao fado, e quis muito prestar-lhe a minha homenagem. E achei que a melhor maneira de o fazer seria da forma mais simples e descomprometida, que é cantando-o como sempre o cantei, acompanhada única exclusivamente com a simplicidade do piano.”

A par dos fados, o disco tem versões (a popular Cantiga bailada, o Verde Pino de D. Dinis, a Teresa Torga de Zeca Afonso) e vários originais, como A verdade da mentira, com letra de Sebastião Antunes (que agora integra também os Gaiteiros de Lisboa). Dois desses originais foram compostos a partir de poemas de Fernando Pessoa e de Sophia de Mello Breyner, este último por Filipe Raposo. “Pedi ao Filipe uma canção, com o intuito de ele ser meu convidado e não um músico contratado. Porque acho que é importante, simbolicamente, homenagear os músicos e os compositores, porque eles ficam sempre na retaguarda mas são na realidade a grande base, especialmente de cantoras como eu, sem qualquer tipo de formação.” E foi ele que escolheu Sophia de Mello Breyner para musicar. “Ficou um tema lindíssimo”, diz Ana.

Referências e fragilidades

Quanto aos convidados cantores (Mafalda Arnauth, Luís Represas e Ivan Lins), Ana tem razões antigas para convidar os três. “A Mafalda é uma mulher extraordinária, uma pensadora que acrescenta sempre muito. Quando conversamos, saio sempre mais rica culturalmente e humanamente. Ela é a pessoa que lapida tudo aquilo que eu faço, até o meu próprio canto.” O convite foi, neste caso, óbvio. Luís Represas também, explica ela: “Vou sempre lembrar-me dele pelos Trovante, pelo seu próprio repertório, mas essencialmente por causa de um tema que ele gravou com a Né Ladeiras, Não se me dá que vindimem, que já era muito à frente. Cheirinho a mofo, folclore? Nada disso! E fiquei sempre com essa grande referência. Acaba por ser simbólico, tê-lo comigo.”

Por fim, com o cantor e compositor Ivan Lins, figura histórica da música brasileira, há também laços fortes: “É como um deus para mim. Musicalmente e humanamente, ele tornou-se uma espécie de guru. Ter tocado com ele no CCB foi um sonho realizado.” Foi Ivan que sugeriu a Ana gravar agora uma música dele, mas desde que ela escrevesse a letra. E assim nasceu Sou dual, assinado por Ana Laíns, Mafalda Arnauth e Ivan Lins. “É uma canção muito representativa da fragilidade humana, das dualidades, de não termos de acertar sempre. A sociedade exige que acertemos, que sejamos muito cultos, que estejamos muito bem aprumados, e não nos dá margem para errar. Mas devemos estar abertos a essa possibilidade de falhar; porque não é falhar, é experimentar.”

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