O Vagner fugiu mas o Estado foi apanhado

Quando o Estado lesa os direitos dos seus membros, é bom que seja responsabilizado.

O Estado, como a família, é uma instituição estrutural e essencial da vida em sociedade. Para além de essencial, o Estado, tal como a família, pode ser muito perigoso na sua actuação e, ao contrário do expectável, lesar os direitos dos seus membros. Quando o faz, é bom que seja responsabilizado pelos seus actos.

O João e a Teresa começaram por exigir do Estado que cumprisse os seus deveres: o seu filho Rodrigo fora assassinado e não descansaram enquanto não viram julgado e condenado o assassino, um cidadão brasileiro de seu nome Vagner. O Vagner nunca esteve preso: foi somente sujeito à obrigação de se apresentar duas vezes por semana num posto policial e proibido de sair para o estrangeiro. Desde o início do processo, os pais do Rodrigo, por terem receio que o Vagner fugisse para o Brasil, pediram ao tribunal que lhe aplicasse a medida de prisão preventiva mas o tribunal considerou que não se justificava. O Vagner, pelo seu lado, pediu autorização para ir ao Brasil afirmando que voltaria, mas o tribunal não o autorizou e reteve o passaporte em seu poder.

Durou alguns anos a saga judicial, tendo o primeiro julgamento sido anulado e mandado repetir, mas finalmente, na repetição do julgamento, o Vagner veio a ser condenado a uma pena de 12 anos de prisão no dia 29 de Setembro de 2011.

Até aí, o Estado cumpriu as suas obrigações de administração da Justiça mas o pior foi o resto: no dia 3 de Outubro, enquanto decorria o prazo para o recurso e estava em liberdade, o Vagner, na posse de um novo passaporte emitido pelo consulado brasileiro em Lisboa, apresentou-se no aeroporto da Portela para embarcar para o Rio de Janeiro e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — que não tinha qualquer comunicação do tribunal a proibir a sua saída — deixou-o ir alegremente.

Os pais do Rodrigo ficaram, naturalmente, chocados e revoltados com o facto de o responsável, julgado e condenado, pelo homicídio do seu filho, ter fugido de Portugal, sendo, assim, muito provável que nunca viesse a cumprir a pena. Viveram momentos de angústia, desgosto e profundo pesar ao saberem que o Vagner se encontrava em liberdade, com a agravante de terem alertado o tribunal que as medidas aplicadas eram insuficientes e que tudo aconselhava a sua substituição pela medida de prisão preventiva. Passaram a viver deprimidos e sem conseguir recuperar a paz nas suas vidas por não encerrarem em definitivo a situação que se iniciara em Outubro de 2007 com a perda do seu filho. Passaram a viver num sentimento de revolta e desgosto para com o Estado português, em quem deixaram, naturalmente, de confiar.

E decidiram responsabilizar o Estado, pedindo em tribunal uma indemnização de 500.000 euros pelo sofrimento que aquele lhes causara com a sua lamentável actuação. E o tribunal de primeira instância deu-lhes razão, não quanto ao valor — fixou a indemnização em 20.000 euros —, mas quanto ao fundo da questão, por considerar que o Estado falhara ao não assegurar que o Vagner não se ausentava como tinha sido decidido judicialmente e que por esse falhanço devia o Estado ser responsabilizado: não porque os pais do Rodrigo tivessem um direito à punição do Vagner, mas porque tinham direito a ver assegurada a confiança que tinham depositado no Estado e que tinham visto traída. Recorreu o Estado para o Tribunal da Relação, que lhe deu razão, absolvendo o Estado do pedido, por considerar que a responsabilidade da fuga do Vagner, afinal, era do consulado brasileiro que emitira o novo passaporte que permitira a sua viagem para o Brasil...

Recorreram os pais do Rodrigo para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, no passado dia 10 de Outubro, pelos teclados dos conselheiros Pedro Lima Gonçalves, Cabral Tavares e Maria de Fátima Gomes, fez justiça, afastando a decisão do Tribunal da Relação e condenando, definitivamente, o Estado português a indemnizar os pais do Rodrigo em 20.000 euros.

Para o STJ, dúvidas não havia de que, ao possibilitar a fuga do Vagner em virtude do mau funcionamento da máquina da justiça, o Estado violara, de forma grave, o princípio da confiança a um processo justo e equitativo e incorrera na obrigação de indemnizar os pais do Rodrigo pelos danos causados. Os portugueses ficam, assim, um pouco mais descansados e confiantes.

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