Governo abre caminho a “revisão” do IRS simplificado dos recibos verdes

Secretário de Estado quer, a prazo, um regime que tribute pelo rendimento real. Prazo de apresentação de propostas termina nesta sexta-feira.

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Mendonça Mendes ainda não abre o jogo sobre a solução a debater na especialidade JOÃO RELVAS/LUSA

A poucas horas de terminar o prazo de apresentação das propostas de alteração ao Orçamento do Estado (OE) de 2018, o Governo não desvenda qual é o modelo que está em cima da mesa para rever o regime simplificado do IRS, fazendo ajustes às regras que o executivo queria introduzir e que encontraram resistência junto de classes profissionais liberais, como os advogados.

No Parlamento, onde o ministro Mário Centeno e a sua equipa de secretários de Estado foram ouvidos na comissão de orçamento e finanças, o governante que lidera os Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, remeteu o tema para a discussão de propostas na especialidade, referindo que os partidos terão a oportunidade de “fazer um bom debate”. Será assim preciso esperar pela proposta que o PS deverá apresentar, restando saber se o PCP e o BE fazem o mesmo.

Mendes apenas descreveu o objectivo geral do Governo ao rever o regime simplificado dos recibos verdes. Primeiro, respondendo indirectamente às críticas de que foi porta-voz a Ordem dos Advogados, o secretário de Estado garantiu que o Governo nunca teve a intenção de “aumentar a carga fiscal seja para quem for”. E de seguida explicou que o Governo está a “iniciar um percurso com a revisão do percurso simplificado” para que, a prazo, se chegue a um sistema de tributação do IRS “pelo rendimento real”.

As explicações foram apresentadas depois de a deputada do BE, Mariana Mortágua, questionar o ministro Mário Centeno sobre se já tinha sido encontrada uma solução às alterações previstas no regime simplificado. O BE, disse a deputada, via virtudes e defeitos nas alterações ao regime que foram preconizadas pelo Governo – do lado positivo, o objectivo de combater a evasão fiscal, do lado negativo, o problema de haver (nalguns casos) um agravamento do IRS.

A proposta inicial do Governo prevê que alguns recibos verdes – quem tem rendimento anuais acima de 16.416 euros – passem a ter de apresentar facturas de despesas para poder beneficiar do máximo da dedução prevista na lei, o que pode implicar um aumento do IRS face ao regime em vigor, em que a dedução é fixa.

Actualmente, o regime simplificado prevê que o IRS incida sobre uma percentagem fixa do rendimento que a pessoa auferiu ao longo do ano. O fisco abdica de saber qual é o real valor das despesas e encargos, assumindo sempre um valor fixo, balizado por coeficientes. No caso dos profissionais liberais, como os advogados, economistas ou músicos, esse coeficiente é de 0,75, o que significa que o IRS incide sobre 75% do rendimento, sendo a dedução automática de 25%.

No novo modelo que o Governo propôs, previa-se que o rendimento alvo do IRS não pode ser inferior ao rendimento tributável que se obteria se se aplicasse uma dedução de 4104 euros, igual à dedução específica que hoje existe para os trabalhadores por conta de outrem. Assim, para quem recebe até 16.416 euros por ano, nada muda em relação ao regime actual, porque as alterações lhe são neutras.

Mas nos casos em que os contribuintes têm rendimentos mais altos poderá haver um agravamento do IRS se a pessoa não atingir um nível de despesas suficiente no E-factura até chegar ao tecto máximo de dedução equivalente àquela que é hoje a dedução fixa (de 25% dos rendimentos, no caso dos advogados).

Uma das críticas dos advogados tem precisamente a ver com o facto de o regime, em vez de ser simples por pressupor uma dedução fixa que desobrigava a apresentação de despesas, passar agora a ser mais complexo, por fazer essa exigência.

No Parlamento, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais admitiu que teve “a oportunidade de falar com vários sectores da sociedade que potencialmente seriam abrangidos por esta medida”, colhendo informação que levou o executivo a perceber que “havia aspectos que era necessário corrigir”. Mas voltou a defender a necessidade de, a prazo, passar a fazer tributação pelo rendimento real, um caminho no sentido de a autoridade tributária ter essas fontes de informação (uma referência indirecta à apresentação e despesas no E-factura).

Já esta semana Mendonça Mendes tinha admitido a hipótese de usar como referência a contabilidade organizada, aplicando no regime simplificado um sistema em que é possível o contribuinte indicar que uma factura se trata de uma despesa mista (sendo imputados 25% a despesas profissionais e os restantes 75% a despesas pessoais). A norma não altera, no entanto, a necessidade de apresentar as facturas, a questão de fundo contestada pela Ordem dos Advogados.

A deputada Cecília Meireles ainda voltou a questionar o ministro para saber se a proposta inicial vai ou não ser retirada, mas Centeno não respondeu.

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