O Coliseu desceu à Baixa para mostrar o tanto que por lá passou

A exposição agora inaugurada encerra as comemorações do 75º aniversário do Coliseu. Rui Moreira reforçou o “compromisso” de reabilitar a sala, mas disse esperar que “o Estado assuma o seu papel”.

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Exposição inspira-se na obra do pintor Piet Mondrian Nelson Garrido
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Para além dos registos fotográficos, há artefactos como antigos projectores Nelson Garrido
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Um dos cartazes em exposição do carnaval no Coliseu, da autoria de António Cruz Caldas Nelson Garrido

Em cada canto do Coliseu do Porto alojam-se memórias e vivências de diferentes anos, espectáculos distintos e emoções variáveis. Sendo memórias de um espaço, também o são do Porto. Pelo menos era essa a sensação que pairava no ar na inauguração da exposição O Coliseu e a Cidade: 75 Anos de Histórias, que estará patente nos Paços do Concelho até Janeiro próximo.

O Coliseu desceu à Baixa para que todos os portuenses pudessem recordar, em cada imagem ou artefacto, os diferentes momentos de entretenimento que o espaço lhes terá oferecido desde a sua inauguração, em 1941. Havia quem falasse do circo, das sessões de cinema ou das óperas importadas de Itália no pós-Segunda Guerra Mundial, mas também se falava das memórias mais frescas dos concertos de Marco Paulo ou de Benjamin Clementine. Porque o Coliseu, como diz Eduardo Paz Barroso, director da sala de espectáculos, “tanto pode ser a casa do Tony Carreira como do Benjamin Clementine”, sendo “um projecto de todos os portuenses”. Por isso, esta exposição veio “para a casa da cidade”.

Divididas em linhas negras e ortogonais, imagens de tamanhos desproporcionais mostram grandes planos e detalhes da arquitectura e estética do Coliseu, preenchendo os dois espaços que convidam à excursão a diferentes épocas da sala portuense. Os tons que as colorem pouco variam: amarelo, vermelho, azul e cinzento. É como se estivéssemos a ver o Coliseu em quadros de Piet Mondrian, e a inspiração na obra neoplasticista do pintor neerlandês não é despropositada: “Esta é uma exposição-objecto, não descritiva, que não se encerra e que vive dos documentos e dos objectos”, explica o director do Coliseu do Porto, que, para a exposição, também assumiu a função de curador. Na primeira sala, em três grandes “quadros”, há imagens de quase tudo o que compõe o edifício – seja a partir dos pormenores dos bancos da plateia e de um quadro eléctrico, ou então do candeeiro do foyer e da bilheteira. Vê-se o Coliseu da Rua de Passos Manuel, pormenores da fachada e lanços de escadas. A história conta-se, e a primeira imagem é do hall de entrada do antigo Salão Jardim Passos Manuel que, até 1941, ocupava o espaço onde hoje se ergue o Coliseu do Porto. O segundo espaço da exposição funciona como um apanhado dos muitos espectáculos que passaram por aquele palco. Se houve fado com Amália em 1951, também o houve com Gisela João este ano, mas também muitas outras formas de expressão artística, como o espectáculo de coros e danças da Marinha Soviética na década de 70.

Foi nessa década que Isalinda Santos chegou ao Porto. Durante muitos anos viveu o Coliseu “de fora”, mas desde há “cerca de dois anos” que faz parte da equipa, na gestão de eventos e na assessoria de programação. Na exposição, recorda a primeira vez que entrou naquele edifício, ainda criança, “para ver o circo”. A sala de espec. A . táculos acompanhou-a ao longo das diferentes fases da vida: na adolescência, eram as estreias de filmes que a chamavam ao Coliseu, como a aventura de Indiana Jones n’Os Salteadores da Arca Perdida; depois, passou a frequentar os “grandes concertos” de Nick Cave, Portishead ou de Legendary Tigerman. Agora, vê o Coliseu como “um espaço para todos, com grande capacidade de acolhimento de vários tipos de eventos”, o que faz com que este seja um “caso de resiliência ao passar dos tempos e de reinvenção”. A constante mutação do Coliseu, “receptivo e acolhedor”, deve-se também às gentes do Porto. Tal como Isalinda, o director do Coliseu do Porto também é da opinião de que “os portuenses são fiéis”, apesar das fases difíceis que marcaram a história do espaço. Exemplo disso é o mês de Agosto de 1995, quando quase foi anunciado o fim do Coliseu, ano em que se negociou a alienação do espaço à Igreja Universal do Reino de Deus, o que resultou num “mar de gente que se manifestou e encheu a Rua de Passos Manuel”.

Lucília Simões não se recorda de ter participado nessa manifestação, mas as principais memória que guarda são sempre associadas ao avô, cuja ligação com o Coliseu do Porto permitiu com que “passasse lá muitos dias na infância”, entre os filmes, o circo e o Carnaval. E é a olhar para um dos cartazes “Carnaval, só no Coliseu” – os que fazem parte da exposição situam-se entre 1950 e 1968 – que revela o nome do avô: António Cruz Caldas, que também desenhou o cartaz da boca de cena do Coliseu do Porto. Acompanhada por mais familiares, incluindo a mãe, filha do caricaturista e maquetista, relembra que “o Coliseu era um ponto de encontro naquele tempo”.

Momentos antes, no discurso de abertura da exposição, Rui Moreira usou quase a mesma expressão para designar o Coliseu do Porto, acrescentando que este “é um palácio para a cultura, o cimento da sociedade”. O autarca aponta-o como um edifício de “dimensão metropolitana”, cuja sala funciona como “um abraço”, onde toda a gente se entrevê, ao mesmo tempo que, no palco, decorre o espectáculo. Quanto à própria sala, o autarca aponta que existe “um compromisso” para a sua reabilitação, mas acrescenta que esse também é um papel do Estado.   

A exposição O Coliseu e a Cidade: 75 Anos de Histórias estará patente nos Paços do Concelho até 19 de Janeiro de 2018. A visita é gratuita e pode ser feita de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 17h00. Ainda há muito para se descobrir do Coliseu, e entre ilustrações e registos fotográficos, há também memórias em forma de mesas e cadeiras de camarim ou de projectores bem antigos, que tantas vezes fizeram deste espaço uma casa de todos – de artistas a espectadores.

Texto editado por Ana Fernandes

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