População vai dizer que arte quer para a aldeia mineira do Lousal

A Faculdade de Belas Artes e o Município de Grândola deram início a projecto participado de arte pública. Habitantes vão ser envolvidos e ajudar a decidir o que será construído, como, e em que local

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As minas fazem agora parte de uma rota turística ADRIANO MIRANDA

O futuro monumento à história e memória das antigas minas do Lousal e suas gentes foi gerado nesta quinta-feira, mas ainda ninguém sabe se será uma escultura, várias, ou outra coisa qualquer, e em que local da aldeia ficará instalado.

O projecto de arte pública, lançado ontem com a assinatura de um acordo entre a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) e a Câmara Municipal de Grândola, vai ser totalmente participado pela população da Aldeia Mineira do Lousal, de tal forma que até a concepção da obra depende da participação dos habitantes.

“Vamos pôr as pessoas a trabalhar o acto criativo com os artistas”, é assim que Sérgio Vicente, ‘pai’ da ideia, escultor e professor da Faculdade de Belas Artes, sintetiza o que vai acontecer. Numa primeira fase, de concepção, para fazer a maqueta da obra a construir, os professores e alunos da FBAUL vão para o terreno “envolver as pessoas e recolher as suas memórias sobre as tradições da comunidade” e só numa segunda fase, de concretização, será convocada a autarquia para ser negociado o financiamento da construção.

O docente explica que se trata de um “processo aberto”, em que tudo será decidido com a população. “Trata-se da criação de uma obra numa dimensão aberta, não sabemos o que vai concretizar-se nem onde será a instalação”, diz Sérgio Vicente, consciente de que nem todos os habitantes da aldeia vão aceitar o desafio.

“Não será o Lousal em peso a participar nas reuniões mas, com o efeito rede, em que uns fazem a ligação a outros, será envolvida a população de forma geral”, afirma.

“Terá de haver uma descoberta comum do Lousal, para os artistas – escultores e alunos – mas também para os habitantes, numa tomada de consciência colectiva que será a chave da ideia do objecto a construir”, explica Sérgio Vicente.

A arte pública participada, segundo o presidente da Faculdade de Belas Artes é um domínio “especial” da Arte, porque “implica desmontar e destruir preconceitos” e “desmistificar o que é hoje a prática artística [como sendo] um acto solitário”. Para Vítor Reis, este projecto de Grândola, “vale a pena desde logo pelo processo”, pela participação popular. O presidente da faculdade sublinha que o resultado criativo, “que pode ser antevisto mas não pode ser previsto”, desta forma, com o envolvimento das pessoas, será “mais consensual”.  

O responsável acrescenta que este trabalho em Grândola integra-se no esforço que a faculdade está a fazer para ligar-se ao exterior e dar oportunidade aos alunos de participarem em experiencias práticas.

“Não é fácil para a academia sair para fora de portas, estamos num convento, no centro de Lisboa, e é difícil deixarmos de estar fechados sobre nós próprios”, refere Vítor Reis.

Tornar a arte popular

Para o autarca de Grândola, este projecto para o Lousal é também uma forma de “tornar popular a arte” que “não pode ser apenas dos artistas nem para ficar somente nos museus”.

António Figueira Mendes aceitou o desafio sobretudo pela preocupação de “não deixar morrer a memória das gentes da Aldeia Mineira do Lousal”. A autarquia questiona-se permanentemente sobre “como é que vamos integrar aquela população, agarrar aquela gente, sobretudo os mais jovens, para outras vivências”.

O presidente da Câmara de Grândola revela, por isso, a disponibilidade do município para “integrar no orçamento municipal” a construção do monumento ou escultura que vier a resultar do processo criativo colectivo, assim como para aceitar a local de instalação que vier a ser escolhido. “A câmara não se mete nisso, a não ser que pretendam construir no meio da estrada”, disse Figueira Mendes em tom de brincadeira.

O processo, que foi agora iniciado, não tem prazo determinado, mas Sérgio Vicente falou em cerca de dois anos.

Antiga mina na rota do turismo

A Aldeia Mineira do Lousal nasceu depois de, em 1882, António Manuel, ter identificado reservas de minério que levaram ao início da exploração, primeiro do cobre, até à década de vinte do século passado e depois de pirite britada, extraída entre 1928 e 1988, para fabrico de superfosfatos nas fábricas da Sapec e da CUF do Barreiro.

A aldeia chegou aos 2500 habitantes, quando as minas empregavam 1.100 operários, e tornou-se num pequeno mundo, quase auto-suficiente, com bairros de habitação, igreja, escolas e outros equipamentos. Curiosamente, só nunca teve cemitério.

Com o encerramento da mina, em 1988, a população começou a reduzir drasticamente e logo nos anos 90 já eram apenas cerca de 600 as pessoas que continuavam a viver no Lousal.

Com a desertificação veio a degradação do património, até que a autarquia e a Sapec, através da Fundação Frederic Velge, lançaram um programa de recuperação que trouxe à aldeia a perspectiva de um novo futuro, voltado para o turismo.

O investimento entretanto realizado permitiu já a construção do Museu de Arqueologia Industrial Mineira, do Centro Ciência Viva, um centro de artesanato, um hotel rural de quatro estrelas, um restaurante regional, e a reabilitação dos bairros de operários.

Além das galerias das antigas minas, os visitantes podem ainda experimentar dois circuitos turísticos que aproveitam o património natural, na zona mineira – ‘Lousal a Céu Aberto’ e próximo do extenso montado alentejano – ‘Lousal GeoMegalítico’.

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