O que se passa com os cogumelos portugueses?

O Anel de Fadas está de volta ao Chapitô, em Lisboa, para provas, jantares e workshops em torno dos cogumelos. A má notícia é que, este ano, os silvestres não apareceram nas florestas nacionais.

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Daniel Rocha

“Portugal tem cogumelos de grande qualidade, mas trata-se de um produto muito marginalizado. Não faz parte da cultura gastronómica das pessoas”. Quem o diz é o chef Bertílio Gomes do restaurante Chapitô à Mesa, organizador do Anel de Fadas – Festa dos Cogumelos, cuja segunda edição acontece a partir de sexta-feira e até domingo no Chapitô, em Lisboa.

“Achei que era preciso fazer alguma coisa pelos cogumelos”, acrescenta, para explicar como nasceu, em 2016, a ideia deste evento, que este ano sofreu um imprevisto - não há cogumelos silvestres. O Verão prolongado, as temperaturas elevadas e, sobretudo, a falta de chuva explicam o fenómeno.

Os cogumelos existem debaixo da terra, mas sem chuva não frutificam, diz Bertílio. Isso levou a uma alteração no programa inicialmente anunciado: o passeio micológico previsto para domingo na Herdade do Freixo do Meio, no Alentejo, não poderá acontecer porque não se iriam encontrar cogumelos.

Mas há muitas outras actividades durante os três dias. Logo na sexta-feira à noite, o Chapitô começa a servir um menu de cogumelos. No sábado, dia 18, o mercado de produtores, que começa às 12h, prolongando-se até às 20h, é uma oportunidade para conhecer quem faz cogumelos de cultivo em Portugal. E quem quiser aprender como se faz tem na Tenda Chapitô, entre as 14h e as 15h30, um workshop sobre cultivo de cogumelos em substrato.

Depois da produção, a confecção – entre as 16h e as 16h40, os chefs Bruno Salvado e David Botelho, que trabalham com Bertílio Gomes, fazem um show cooking com a ajuda de um micólogo convidado. Segue-se, às 17h, outro show cooking, este por Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, de Santarém.

E depois de um ribatejano, entra em cena um alentejano: José Júlio Vintem, do Tomba Lobos, de Portalegre, faz a sua apresentação a partir das 18h, sempre com o apoio de um dos micólogos presentes, Baptista Ferreira, Marta Ferreira e Rui Coelho e também da especialista em gastronomia, e co-autora de um livro sobre cogumelos com  Baptista Ferreira, Maria de Lourdes Modesto.

"Falta aplicar a legislação"

Entre as 19h45 e as 23h, Bertílio Gomes, José Júlio Vintém e Rodrigo Castelo juntam-se para preparar cogumelos de várias maneiras, para o jantar degustação que terá como escanção Manuel Moreira (reserva obrigatória). No domingo, continua ser possível provar alguns dos pratos feitos com cogumelos no Chapitô. E, apesar de não se conseguirem apanhar em Portugal, haverá à mesa alguns cogumelos silvestres que tiveram que ser importados.

Com esta iniciativa, Bertílio Gomes espera contribuir para despertar a curiosidade de mais portugueses relativamente a este produto. “É preciso trabalhar isto porque temos uma riqueza muito grande a este nível”, defende. “Temos cogumelos de Norte a Sul do país e com muita qualidade. Como somos um país relativamente pouco industrializado, os cogumelos, que são umas verdadeiras esponjas, não têm os níveis de poluição que têm noutros países.”

Mas, lamenta, mesmo em anos bons, em que as florestas estão cheias de cogumelos, “vamos aos mercados e não encontramos cogumelos silvestres à venda”. Porquê? “Os espanhóis, os franceses, os italianos, vêm cá, têm apanhadores e levam tudo”. Em alguns casos, admite Bertílio, esses mesmos cogumelos, depois de transformados, acabam por ser importados por Portugal, que assim perde a oportunidade de lucrar com um recurso próprio.

O que é que é preciso para alterar a situação? “Temos que ter legislação, que até existe mas não é aplicada. E depois, temos que ter formação, têm que ser dadas licenças para os apanhadores, tudo isso devia ser controlado, até por razões fiscais.”

Porque “existem muitos mitos” sobre cogumelos, e é verdade que alguns são venenosos, continua a haver pessoas com receio de os consumir. Mas se existisse fiscalização e controlo, argumenta o chef do Chapitô, isso daria garantias de que só seriam comercializados os cogumelos que pudessem ser comidos.

Em França, por exemplo, diz, “qualquer pessoa pode ir a uma farmácia e o farmacêutico avalia os cogumelos que foram apanhados”. Em Portugal, o tema torna-se ainda mais relevante numa altura em que se discute o estado da floresta e dos seus recursos, conclui Bertílio Gomes, esperando que o Anel de Fadas ajude a chamar a atenção. “Acho que os chefs têm um papel muito importante na valorização dos produtos.”

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