Cúpula das Forças Armadas entregou ajuste directo a arguida da Operação Zeus

Estado-Maior General das Forças Armadas sublinha que o preço apresentado foi inferior ao da concorrência. Empresas suspeitas continuam a vencer concursos para fornecer messes.

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Ajuste directo visou o fornecimento de produtos para pólo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas NUNO FERREIRA SANTOS

O Estado-Maior General das Forças Armadas entregou por ajuste directo um fornecimento de bens alimentares à empresa Pac e Bom dois meses depois de ela ter sido constituída arguida no âmbito da Operação Zeus, em que foi descoberta uma vasta rede de corrupção envolvendo todas as messes da Força Aérea.

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O Estado-Maior General das Forças Armadas entregou por ajuste directo um fornecimento de bens alimentares à empresa Pac e Bom dois meses depois de ela ter sido constituída arguida no âmbito da Operação Zeus, em que foi descoberta uma vasta rede de corrupção envolvendo todas as messes da Força Aérea.

Apesar de as Forças Armadas se poderem constituir como assistentes neste processo judicial, e de com esse mecanismo pedirem o reembolso do que foi roubado à instituição através de um esquema de sobrefacturação em que participavam quatro dezenas de militares e quase outras tantas empresas, até ontem isso não tinha sucedido.

Questionado sobre por que razão não o fez, o Estado-Maior General das Forças Armadas limitou-se a responder que o assunto “está em análise”. Se se tivessem constituído como assistentes, as Forças Armadas poderiam ainda ter tido acesso privilegiado a uma investigação que, apesar de ter começado em 2014, se encontrava até há poucos dias em segredo de justiça.

Concurso público "não se concluiu"

Quanto ao ajuste directo à Pac e Bom, destinado ao fornecimento de 13.543 euros de produtos hortícolas para o pólo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas, a cúpula da hierarquia militar alega que a adjudicação “decorreu de um concurso público que, por razões de tramitação procedimental, não se concluiu”, sendo a firma em causa aquela que apresentou o preço mais baixo. Questionado sobre se tenciona continuar a fazer ajustes directos a empresas suspeitas de terem roubado as Forças Armadas, o Estado-Maior não respondeu.

Estes fornecedores facturavam às messes montantes muito superiores ao que lhes entregavam, com a cumplicidade de uma rede de militares que tanto incluía sargentos como altas patentes, um general e vários coronéis incluídos. E se alguns deles, incluindo os mais graduados, continuam a negar qualquer envolvimento neste esquema, outros há que confessaram detalhadamente como tudo se passou ao longo, nalguns casos, de mais de uma década.

A maior fatia dos lucros cabia aos militares, em especial às altas patentes. O Ministério Público estima que tenham ficado pelo menos com 2,1 milhões de euros indevidamente, e as firmas que trabalhavam com as cantinas com pelo menos cerca de 400 mil. Mas diz também que os prejuízos para o erário público serão muito superiores à soma destas duas parcelas.

Agente infiltrado

A investigação começou por estar a cargo da Polícia Judiciária Militar, que mais tarde contou com a ajuda da Polícia Judiciária civil. Mas só conseguiu avançar quando, no final de 2015, um major de Monte Real resolveu aliciar um colega seu, que denunciou tudo à hierarquia mas fingiu alinhar no esquema, tendo actuado a seguir como agente infiltrado, fotografando provas e gravando conversas. Posto ao corrente da operação, o anterior chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da altura, José Pinheiro, não hesitou, conta fonte ligada ao processo: “Disse que não queria saber qual era o posto de quem fosse apanhado.” O agente encoberto trabalha agora para a Judiciária Militar.

Já em 2009 um sargento da base aérea de Beja havia denunciado a rede criminosa, tendo as suas informações sido transmitidas à hierarquia. Por razões que se desconhecem não foi aberta nenhuma investigação na altura. Foi preciso esperar por 2014, altura em que chegou à Polícia Judiciária Militar uma carta anónima no mesmo sentido.

Mas apesar de a hierarquia da Força Aérea estar há muito alertada para o esquema fraudulento, até ao Verão passado – altura em que as empresas foram constituídas arguidas – este ramo das Forças Armadas continuava a entregar ajustes directos de bens alimentares às firmas em questão. Já para não falar dos concursos públicos que também têm continuado a ganhar, porque não podem, por lei, ser impedidas de neles participar até serem condenadas pela justiça de forma definitiva. A Marinha, a GNR e a PSP também trabalham com estes fornecedores, que abastecem ainda alguns estabelecimentos de ensino.

O Ministério Público explica, no despacho de acusação da Operação Zeus, como os militares corruptos por várias vezes arranjaram maneira de serem as empresas com que mantinham este esquema a vencer os concursos, passando-lhes informação privilegiada.

E se esta investigação está concluída, encontrando-se vários dos militares em prisão preventiva, não quer dizer que as descobertas de crimes de colarinho branco no meio militar fiquem por aqui: o Ministério Público já mandou extrair uma certidão deste processo, com vista à abertura de um novo inquérito.

Rede criminosa com organização militar

Diz o Ministério Público que a rede criminosa descoberta na Operação Zeus replicava, na sua forma de organização, o funcionamento das instituições militares. E não só porque os militares mais graduados eram quem mais recebia. A própria distribuição do dinheiro estava organizada com a mesma lógica.

Um comandante de esquadra, por exemplo, podia lucrar mil euros mensais. Um major de Monte Real confessou ter ganho com o esquema cerca de 30 mil euros em 2014 e outro tanto no ano seguinte. As autoridades apreenderam envelopes em que circulavam os pagamentos ilícitos aos militares. Continham inscrições muito precisas: três traços verticais, um grosso e dois finos significava que o dinheiro se destinava a um tenente-coronel, enquanto dois traços, um grosso e um fino, indicavam a patente de major.

Os militares envolvidos evitavam mostrar sinais exteriores de riqueza. Na garagem de um deles foram encontrados mais de 23 mil euros em moedas distribuídas por baldes, enquanto outros investiram o dinheiro em certificados de aforro. Além da sobrefacturação, havia outra forma de os homens da Força Aérea conseguirem dinheiro extra: inflaccionavam o número de convivas dos almoços e jantares de gala. Foi por exemplo o que sucedeu quando, em Setembro de 2016, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa visitou Monte Real.