A avaliação do desempenho já levou milhares de professores à rua. O que resta hoje dela?

Ex-ministros da Educação reconhecem que apesar de o modelo de avaliação de docentes que desejavam não ter vingado, os resultados dos alunos melhoraram.

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Jornal Publico

Observação de aulas e relatórios anuais de auto-avaliação. Formalmente são estes os instrumentos que restam do modelo de avaliação do desempenho dos professores posto em prática pela ex-ministra socialista da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, e que esteve no centro, em conjunto com a divisão dos docentes entre "titulares" e "não titulares", de duas grandes manifestações em 2008. Uma delas, mais concretamente a 8 de Março de 2008, é considerada a maior manifestação de uma classe profissional alguma vez realizada em Portugal: 100 mil saíram à rua.

A observação de aulas por professores avaliadores externos à escola é hoje obrigatória quando um docente quer transitar do 2.º e do 4.º escalão, numa carreira que tem 10 escalões, e também para quem se candidate a obter a nota de “Excelente”. Contudo, como a carreira se encontra congelada desde 2011, este instrumento perdeu força. João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), garante, contudo, que continua a existir nas escolas — de resto, explica, a FNE sempre aconselhou que os docentes  requeressem observação das aulas, nos casos em que está prevista, para que “estivesse tudo em ordem” quando as carreiras fossem descongeladas.

Em Fevereiro passado, a ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues afirmou publicamente que, no seu entender, não existem hoje “condições objectivas” para introduzir a avaliação docente, sendo necessário construir outros instrumentos. “As alterações que introduzi não estão em vigor. É passado”, reiterou nesta quarta-feira ao PÚBLICO. Na verdade, o modelo de avaliação da ex-governante não resistiu à enorme contestação que gerou, nomeadamente a ideia de que os resultados dos alunos iriam passar a contar para a classificação dos docentes e que a observação das aulas iria ser a regra.

Maria de Lurdes Rodrigues diz que sempre encarou como objectivo central do seu modelo de avaliação “a melhoria da qualidade das aprendizagens e o sucesso dos alunos”. Mas a verdade é esta: “Nos últimos 10 anos conseguimos melhorar as aprendizagens e os resultados dos alunos, como não tivemos êxito na consolidação da avaliação docente e isto aconteceu tal significa que esta [a avaliação dos professores] não foi decisiva para a melhoria registada”, frisou a ex-ministra, para adiantar que é necessária que seja feita “uma reflexão sobre isto”.

Também o antigo ministro da Educação, Nuno Crato, aponta no mesmo sentido. “Disse que a avaliação dos professores não era o problema central do sistema educativo, mas sim a dos alunos e esta melhorou”, refere em declarações ao PÚBLICO.  

Hoje, para a progressão na carreira docente, entram em conta o tempo de serviço, em média quatro anos por escalão, e também os resultados da avaliação (um professor com insuficiente não progride). Estes resultados têm na base um relatório de auto-avaliação que é apreciado pelos responsáveis das escolas. Só para a transição de dois escalões é obrigatória a observação de aulas por entidades externas.

Crato lamenta, ainda assim, que com o actual Governo tenha sido revogada a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências (PACC), que se queria obrigatória para todos os professores contratados que ingressassem na carreira. Quando decidiu aplicá-la em 2013 (desde 2007 que estava prevista no Estatuto da Carreira Docente), justificou-a com a necessidade de assegurar que fossem contratados os melhores professores, o que, na sua opinião, não estava a ser garantido pelas instituições de ensino superior na formação inicial que davam aos docentes. “Não se pode ensinar bem o que não se sabe bem.” Mas também a PACC foi amplamente contestada pela classe. E não vingou.

A ex-ministra da Educação lembra, a propósito, que “as provas à entrada na profissão são feitas em muitos outros grupos profissionais”. Como esta acabou por ser revogada no caso dos docentes, defende que deve existir agora “um diálogo com as instituições do ensino superior com vista a melhorar a formação inicial dos docentes”.

“Para a colocação dos professores conta a nota final da licenciatura e tem-se comprovado, sobretudo no 1.º ciclo, que as notas mais elevadas são dadas por instituições que não têm grande reconhecimento”, especificou Maria de Lurdes Rodrigues.

Na primeira edição da PACC, feita em duas fases por 10.220 professores, 30% deram um ou dois erros ortográficos num texto com 250 a 350 palavras e 14,8% cinco ou mais. Na segunda, numa prova em que 544 dos 2490 professores eram “repetentes”, o número de erros disparou. Em 34,7% das respostas não se registaram erros; em 29,1% registam-se um ou dois e em 19,9% cinco ou mais.

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