Suárez, o “anticomunista inteligente”

"A obsessão pelo exercício do poder, sacrifica quase sempre princípios indeclináveis e reduz, não raras vezes, o comportamento moral às ações que proporcionam o sucesso pessoal e, infelizmente, é a isto que temos assistido."

Assistimos nos últimos meses a uma luta sistemática do PSD e do CDS-PP contra o Governo, aproveitando todos os pretextos para o apoucar, transformando o palco político em permanente guerra civil. Em muitos dossiers o Governo tem estado mal, dir-se-ia muito mal, mas tem capitalizado com as críticas destrutivas da oposição, pelo simples facto de que as mesmas o vitimizam aos olhos do eleitorado. A obsessão pelo exercício do poder, sacrifica quase sempre princípios indeclináveis e reduz, não raras vezes, o comportamento moral às ações que proporcionam o sucesso pessoal e, infelizmente, é a isto que temos assistido. Quando na oposição se denigre a ação de um Governo, embaraçando-o e comprometendo-o, é dever de escrúpulos não ter um passado vulnerável nas mesmas matérias, nem adotar, uma vez no Poder, a conduta antes severamente censurada. Mas então, para quando os recorrentemente adiados pactos de regime?

Esta deveria ser a prioridade da oposição, mas o que vemos é que nos casos recentes dos incêndios, da legionella e da polémica do Panteão Nacional, por conveniências eleitorais e de protagonismo, tem sido sistematicamente relegada para segundo plano a resolução dos verdadeiros problemas dos portugueses. Uma referência ímpar nas convergências e nos pactos de regime a bem da nação, vem-nos dos anos setenta e do centrista Adolfo Suárez. Suárez legalizou em Espanha o Partido Comunista Espanhol e conseguiu congregar diferentes sensibilidades ideológicas em torno de um projeto comum, com as cumplicidades tácitas dos partidos da esquerda, como o PSOE e o PCE de Santiago Carrillo.

No atual contexto político-partidário português ir-se à refrega contra este Governo é um dever patriótico, mas exige inteligência. Adolfo Suárez arrancou há quarenta anos de Santiago Carrillo, um dos comunistas mais empedernidos da Europa, o reconhecimento de que era um “anticomunista inteligente”. Sinal inequívoco de que, à época, o respeito pela seriedade intelectual e política dos homens ultrapassava as ideologias. Os exemplos de reformismo construtivo e de sentido de Estado de Suárez mantêm atualidade. Está na hora de seguir os bons exemplos do passado numa dinâmica construtiva de futuro. 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.    

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