A centralidade é proximidade

O doente do século XXI precisa de estar permanentemente próximo de quem o trata.

É recorrente ouvirmos dizer que o doente deve estar no centro do sistema de saúde. O movimento que tem levado ao fim do velho “paternalismo” que dominava a prática médica tem raízes nos novos contextos, seguramente escorados no crescente aumento de custos da prestação de cuidados de saúde, que impõem maior responsabilidade, prestação de contas e necessidade de garantir respostas consequentes em tempo útil. Passou-se de uma lógica assistencial para um cenário de partilha, em que a pessoa em risco de perder saúde, ou já em situação de doença, é convidada a participar no processo de conservação do seu bem-estar, tal como tem de intervir no seu processo terapêutico. Não é alheio a todo este movimento a emergência da Internet e das comunicações eletrónicas que hoje são populares e indispensáveis. Dos computadores main frame aos PC e destes aos smartphones foram menos de 40 anos. O acesso à informação, sempre bem-vinda quando tem a qualidade necessária, e a proximidade que passámos a ter com os outros — “à distância de um click” — chegaram à saúde, já há uns anos. Todavia, em Portugal, ainda não com a dimensão desejável.

O doente do século XXI, em todas as especialidades e, porventura, ainda mais quando a cronicidade aumenta, como acontece nas doenças auto-imunes e no cancro, precisa de estar permanentemente próximo de quem o trata, não apenas do médico mas de toda a equipa multidisciplinar que deve seguir o percurso de um doente. Esta ligação que tem de ser mantida e estimulada é bidirecional e deve permitir o acompanhamento da evolução dos sintomas, de efeitos secundários de medicamentos e da adesão ao tratamento. Estes aspetos adquirem importância significativa quando, agora também em muitos cancros, há tratamentos continuados e longos, com administração oral de fármacos em ambulatório. O “afastamento” dos doentes do centro onde é tratado, com toda a comodidade inerente e diminuição de frequência de consultas, deve ser “compensado” pela comunicação à distância. Num futuro próximo, já tecnologicamente possível, teremos o acompanhamento de sinais vitais e padrões laboratoriais.

Outros exemplos existem para demonstrar o valor e a necessidade da centragem do doente no desenho dos sistemas de saúde. Os doentes crónicos têm um conjunto de necessidades que evoluem com a própria doença. No entanto, não raras vezes, essas necessidades são desconhecidas ou ignoradas por quem tem a missão de zelar pela saúde dos outros. Ora, esse desconhecimento pode ser ultrapassado pela preocupação em procurar saber o que os doentes sentem e pensam, mas também pela melhoria da comunicação entre os elementos das equipas pluridisciplinares que cuidam de pessoas com cancro ou com doenças auto-imunes. O doente torna-se o pivot, o centro em torno de que tudo roda, da equipa que o trata.

E há a necessidade de ir até ao doente se queremos que ele seja central na atenção dos cuidadores. Não chega esperar que ele vá à procura de cuidados. Grande parte do sucesso na melhoria dos padrões de saúde está na antecipação. Procurar saber, perguntar, “adivinhar” e responder são alguns dos segredos da boa prática, aquela que é feita com respeito pela centralidade do doente.

No nosso país existe já um conjunto de iniciativas que buscam e desenvolvem os princípios do doente no centro. Merecem ser conhecidas, premiadas e apoiadas, tenham elas a qualidade que se lhes deve exigir. E há projetos à espera de implementação, quase sempre sem que os apoios públicos lhes cheguem ou sejam suficientes. Por tudo isto, assumindo a importância de praticar, e não apenas defender, o princípio de que o doente deve ser o centro, de facto, do sistema de saúde, é imperativo que surjam iniciativas de atores privados, incluindo da indústria farmacêutica, para apoiar o que de melhor se faz nesta área. Neste país, onde não se pode apenas esperar que o Estado a tudo acorra, convirá que não haja desperdício de oportunidades. Estejam atentos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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