A cidadania à mesa das cantinas

Mover processos disciplinares a alunos que divulgaram imagens ou vídeos sobre a falta de qualidade dos alimentos ou de higiene na sua preparação não é a forma mais correcta e inteligente de lidar com o problema.

As direcções das escolas parecem estar mais preocupadas em vigiar e punir os alunos que denunciaram a má qualidade da comida nas suas cantinas do que em exigir que os fornecedores melhorem a qualidade da mesma. Mover processos disciplinares a alunos que divulgaram imagens ou vídeos sobre a falta de qualidade dos alimentos ou de higiene na sua preparação não é a forma mais correcta e inteligente de lidar com o problema. Sim, temos um problema. Ou dois.

O primeiro chama-se fornecimento. Nos últimos três anos, a Autoridade de Segurança Alimentar encontrou, em várias fiscalizações em cantinas e refeitórios escolares, alimentos deteriorados, com qualidade ou composição alterada, ou até em estado de decomposição ou putrefacção. Várias associações de pais denunciaram o mesmo. As escolas têm fortes razões para se preocuparem com a saúde pública quando servem refeições com lagartas ou quando há vestígios de ratos nos fogões de um refeitório.

O segundo problema é de cidadania. Proibir a denúncia destas lacunas, com a ameaça de represálias, não é nada educativo. A cultura do come e cala é tudo menos boa pedagogia, como defendeu, e bem, João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade numa carta enviada ao ministro da Educação. É suposto que a escola seja o oposto de tudo isto; é suposto que seja um exemplo de educação para a cidadania. De resto, não é essa a intenção do ministério, ao fazer com que os direitos humanos, a igualdade de género ou a interculturalidade façam parte de todos os ciclos de ensino? Foi precisamente a pensar nisso que a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, a pretexto de um projecto-piloto de flexibilidade curricular, foi aplicada este ano lectivo em 235 escolas públicas.

Directores de escolas que não hesitam em avançar com processos disciplinares a alunos em casos como estes, mesmo que os processos possam ter uma justificação burocrática interna, nem estão a usar da melhor forma os seus cargos públicos nem a representar devidamente as suas instituições. Muito menos a professar qualquer educação para a cidadania. Cabe ao ministério exigir aos seus fornecedores que melhorem o serviço que prestam e aumentar a sua fiscalização, para que novas situações não se repitam. Mas também era bom que alguns directores de escolas se preocupassem mais com a sua própria educação para a cidadania.

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