"Squadra azzurra", crónica de uma morte anunciada

A última grande proeza da selecção italiana é contemporânea do escândalo Calciopoli. Com uma equipa envelhecida e sem talentos, o futuro da Itália, que não falhava um Mundial há 60 anos, parece sombrio

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Buffon vai deixar a selecção italiana LUSA/DANIEL DAL ZENNARO

A 8 de Junho de 1958, na última vez que foi dado o pontapé de saída para um Campeonato do Mundo de futebol sem a participação da Itália, Madonna e Michael Jackson ainda não tinham nascido, Prince tinha apenas um dia de vida e a futura estrela da competição, um jovem de 17 anos chamado Edson Arantes do Nascimento (Pelé), ainda era suplente do Brasil. Seis décadas depois, quando a 14 de Junho de 2018 Moscovo receber o jogo de abertura do 21.º Campeonato do Mundo, no elenco da competição voltará a não constar o nome da selecção italiana. Mas será a ausência da "squadra azzurra" do Mundial 2018 uma grande surpresa? Apenas para os menos atentos

Piola, Meazza, Riva, Mazzola, Rivera, Tardelli, Rossi, Baresi, Baggio, Pirlo, Buffon. Na história do futebol italiano, o difícil é condensar numa pequena lista os nomes que ao longo de quase um século ajudaram a tornar a camisola “azzurra” mítica. Porém, apesar dos quatro títulos mundiais, o futebol italiano passou nas últimas décadas por momentos conturbados, sabendo, no entanto, reinventar-se. Foi assim após o cataclismo da II Guerra Mundial; foi assim depois do acidente de aviação em Superga, que vitimou o “Grande Torino”, a equipa que dominava o “calcio” e era a base da "squadra azzurra". Desta vez, no entanto, a debacle do futebol italiano tem origem no próprio futebol italiano.

O insucesso transalpino no apuramento para o Rússia 2018 apenas tem paralelo na falhada qualificação para o Suécia 1958, onde o primeiro grande feito internacional do futebol português ajudou a colocar os italianos KO: a vitória da selecção nacional contra os “azzurri”, por 3-0, com golos de Vasques, Teixeira e Matateu, foi decisiva para o apuramento da Irlanda do Norte. Agora, seis décadas depois, o fiasco italiano no play-off contra a Suécia revelou-se apenas a crónica de uma morte anunciada.

Com a Serie A a perder qualidade e protagonismo época após época, o futebol em Itália começou a implodir há cerca de uma dúzia de anos com o Calciopoli, escândalo que fragilizou equipas como a Juventus e o AC Milan, retirando competitividade (e reputação) ao “calcio”. Os danos foram quase imediatos e, sem conseguir atrair jogadores de reputação mundial, a Serie A viu-se relegada para um palco secundário, perdendo protagonismo para a Premier League, a Liga espanhola ou mesmo a Bundesliga. Como o efeito de uma bola de neve, com o enfraquecimento dos clubes a "squadra azzurra" veio de arrasto.

A última grande proeza da selecção italiana é contemporânea do Calciopoli. Em 2006, com talento em qualidade, mas não em quantidade - Pirlo, Del Piero e Totti eram a excepção -, a sapiência de Lippi fez a diferença. Com a força do seu conjunto e dois jogadores excepcionais no sector defensivo (Cannavaro e Buffon), a Itália derrotou uma geração de ouro francesa, liderada por Zidane e Henry, tornando-se na segunda selecção “tetra” do futebol mundial. Mas essa "squadra azzurra", que já negligenciava o talento, não deixou saudades e as duas participações seguintes em Mundiais foram desastrosas: afastamento na fase de grupos em 2010 e 2014, ficando atrás de adversários como Paraguai, Eslováquia, Nova Zelândia ou Costa Rica. Pelo meio, houve uma participação no Euro 2012 onde, apesar de apresentar um futebol pobre, o génio de Balotelli carregou a Itália até à final – foi goleada pela Espanha -, ajudando a camuflar as maleitas que já afligiam a "squadra azzurra".

Perdendo, ano após ano, os seus talentos e sem injectar sangue novo, a Itália é hoje uma equipa velha e sem charme. Frente à Suécia, Giampiero Ventura, um técnico sem currículo e sem carisma, escolheu um “onze” com uma média de idades de 30 anos - o jogador mais novo tinha 25 anos. Privado de Verratti, o único italiano que se destaca no estrangeiro numa equipa de topo, Ventura surpreendeu ao abdicar de Insigne, provavelmente o avançado mais desequilibrador que tinha. O resultado foi uma exibição sôfrega e muita posse de bola – consentida pelos suecos –, que resultou numa mão cheia de nada.

Com o afastamento do Mundial 2018 e a “reforma” de Buffon, a última “lenda” do futebol italiano, o que se segue? O cenário é sombrio e a nova geração parece ter as portas fechadas: do lote de jogadores que conseguiu este ano o 3.º lugar no Mundial de sub-20, apenas o médio Mandragora, emprestado pela Juventus ao Crotone, impôs-se na Serie A. Os restantes, têm pouco ou nenhuma utilização em equipas de escalões secundários.

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