Financiamento às universidades é insuficiente e Algarve está no fim da linha, diz reitor

De saída do cargo, o actual reitor da Universidade do Algarve lamenta a ausência de “centros de decisão” na região e critica a falta de financiamento público às universidades.

Foto
Joana Bourgard

A eleição do próximo reitor da Universidade do Algarve (Ualg) está marcada para dia 15. No dia anterior, os três candidatos vão ser ouvidos pelos membros do Conselho Geral da instituição em audiências públicas. Numa primeira fase, apenas foram aceites pela Comissão Eleitoral as candidaturas de Saúl de Jesus (Faculdade de Ciências Humanas e Sociais) e de Efigénio Rebelo (Faculdade de Economia). Paulo Águas, docente da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo, viu a sua proposta rejeitada por ser professor do subsistema politécnico da Ualg. Recorreu da decisão para o Conselho Geral e acabou por ser aceite.

De saída, António Branco é o primeiro reitor na vida da instituição, com 38 anos, que não se recandidata a um segundo mandato. O professor, ex-actor, considera que a sua gestão teve sucessos mas também fracassos. Porque sente que as universidades fora dos grandes centros urbanos acabam por ser mais atingidas pela crise e não conseguiu inverter essa situação.

Que balanço faz da sua gestão?

Consegui um nível de consolidação orçamental que, provavelmente, há quatro anos era impensável. A Universidade vai fechar o ano sem precisar de recorrer a nenhuma outra fonte externa para poder fechar o seu exercício.

Outro desafio foi inverter os indicadores de queda muito pronunciada do número de alunos da Universidade — um fenómeno que estava a acontecer há muitos anos (aliás, no país, em geral), mas esta universidade foi particularmente atingida. Não só conseguimos estancar, como neste momento já começamos a inverter, e já estamos a aumentar o número de alunos

Qual é a percentagem desse aumento?

Este ano, pela primeira vez, é de cerca de 3%. A Universidade do Algarve já teve 10 mil alunos, e, neste momento está com 7 mil e tal. Houve uma perda de cerca de 25% de alunos ao longo de vários anos. O indicador de perda, quando chegamos, era de 16% ao ano. Logo, era absolutamente essencial tudo o que estivesse ao nosso alcance para travar isso, e está conseguido.

O segundo aspecto a que eu dei muita importância: trabalhar nos indicadores da internacionalização da Universidade. É verdade que, depois do meu mandato começar, foi-nos entregue um instrumento novo que nos permitiu actuar com mais determinação nessa área — o novo estuto do estudante internacional. No espaço de três anos — que foram os três anos de recrutamento que fora possível fazer ao abrigo da nova lei —, passámos de 50 alunos no primeiro ano (estudantes que vêem fazer a sua licenciatura) para 215 este ano. Este recrutamento absolutamente excepcional também contribuiu para estancar e inverter a perda total de alunos.

Isso deve-se à situação geográfica da Ualg ou à afirmação e reconhecimento da sua capacidade cientifica?

É tudo. Por um lado, a internacionalização e por outro os alunos que vêm em mobilidade — estamos com mais de mil alunos estrangeiros todos os anos. Isto é de uma enorme riqueza a todos os níveis. Isto tem impacto económico na instituição, na região e no país. Outro impacto é a riqueza cultural que nasce de todos estes estudantes que representam na instituição 80 nacionalidades diferentes, o que implica pontos de vista religiosos, culturais, filosóficos. Finalmente, o Algarve é uma região muito cosmopolita e a Universidade do Algarve tem que ser o núcleo desse cosmopolitismo.

Que desilusões teve?

Uma das coisas em que não tive sucesso foi convencer os sucessivos governantes de que o nível de financiamento público que o país está a disponibilizar às instituições de ensino superior é manifestamente insuficiente para garantir a dignidade. Aí é claramente um insucesso.

Não conseguiu porque esteve isolado nessa luta?

Não, de maneira nenhuma. Aliás, quase todos os anos há declarações de reitores no sentido de alertar para as questões do financiamento público. A minha insatisfação é mais específica porque eu acho que esta crise não atingiu as instituições todas da mesma maneira. Atingiu muito a Universidade do Algarve e outras instituições de ensino superior que não estão nos grandes centros urbanos, que não estão nas regiões muito industrializadas.

Dominou a política do centralismo?

Não, não é bem isso que eu quero dizer: o que eu quero dizer é que as regras do financiamento público foram iguais para todos. Porém, a crise — e, no caso da Universidade do Algarve já vem de 2011 — não atingiu da mesma maneira todas as instituições. Para além disso, o Algarve não tem acesso aos fundos comunitários que outras instituições têm.

Porquê, é uma região rica?

Sim, é considerada uma região rica. Portanto, o impacto da crise na Ualg, ou noutras instituições com características semelhantes foi muito maior do que nas instituições que acabaram por encontrar instrumentos alternativos para gerarem receita, para compensar os cortes brutais que fomos sofrendo ao longo destes anos.

Essa não é mais uma situação que resulta do Algarve não ter representação e projecção política nacional?

Acho que não há nenhum algarvio que não sinta isso. Sei que, eventualmente, nós ganharíamos enquanto região se tivéssemos uma frente mais unida nalguns aspectos mais importantes, como por exemplo as questões do financiamento da Universidade. Eu acho (e isto é a minha opinião, já não é o reitor da Universidade que fala, é o António Branco) que esse poder só se ganha quando temos centros de decisão, e nós praticamente não temos centros de decisão no Algarve. Portanto, enquanto essa questão não estiver resolvida, seja através da regionalização, seja através de outros mecanismos de descentralização de poder com centros de decisão aqui fixados, provavelmente continuaremos a sofrer a dificuldade de representação ou de influência nas decisões políticas que são tomadas centralmente.

O que é que vai fazer agora?

Voltar dar aulas, investigar, tentar perceber que conhecimento foi criado durante o tempo em que estive nestas funções, voltar a publicar.     

 

Sugerir correcção
Comentar