Percepção do tempo, ocupação e bem-estar

As pessoas reconhecem o movimento constante e a renovação da vida, a passagem de um legado para as novas gerações e mantêm-se comprometidas com atividades instrumentais úteis para a família e a comunidade.

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Algumas pessoas mais velhas encaram as horas como longas agonias de vazio, enquanto outros mantêm o brilho da descoberta a cada instante e o domínio da ocupação do tempo. Falar sobre a percepção do tempo na velhice é contar a história de como o tempo organiza a vida.

Dados de uma investigação qualitativa usando grupos de discussão de pessoas reformadas permitiram a análise do que poderíamos designar “experiência subjetiva do tempo”. Os principais temas identificados foram: o tempo parece acelerar quando as pessoas envelhecem; a ocupação do tempo é a chave da percepção do tempo e é diferencial entre mulheres e homens; o tempo cíclico e a noção de finitude; a experiência paradoxal do tempo.

O tempo parece acelerar quando as pessoas envelhecem
Foi consensual a ideia de que o ritmo atual da vida é percebido por todos como em aceleração global, independentemente da idade, ainda que seja mais evidente nas pessoas mais velhas que experimentam uma grande aceleração. Uma ideia acordada pela maioria dos participantes foi a de um deles: “Eu acho que a melhor definição de tempo hoje em dia é: não é! Foi! O tempo foge. Sinceramente, o tempo passa muito rápido desde que temos uma certa idade: já foi!”

A ocupação do tempo é a chave da percepção do tempo e é diferencial entre mulheres e homens
A ocupação é uma questão central na velhice que afeta a saúde, a funcionalidade, a cognição, a emoção e o bem-estar e parece mediar as perspectivas que as pessoas têm sobre o tempo.

A ocupação pode ser a razão objetiva que explica o sentimento de aceleração do tempo, embora outros aspectos contextuais também contribuam para essa percepção, como a quantidade e o tipo de atividades e os novos papéis das pessoas mais velhas. Há uma enorme diferença entre a ocupação durante a vida profissional e as atividades durante a reforma. Por um lado, a ocupação obrigatória desaparece e, por outro lado, a disponibilidade e o envolvimento numa diversidade de atividades, para a família ou para a comunidade, faz com que as pessoas se sintam sem tempo para fazer tudo.

A razão pela qual a maioria das pessoas se refere a uma aceleração do tempo à medida que envelhecem é por levarem mais tempo a fazer as atividades de rotina. As pessoas reconhecem que, com o envelhecimento, as atividades da vida diária demoram muito porque elas são mais lentas, confirmando o postulado de Draaisma (2006), que refere que a desaceleração biológica das pessoas mais velhas cria uma aceleração subjetiva.

As questões de género foram colocadas pelas mulheres. As diferenças na ocupação do tempo entre homens e mulheres ao longo da vida tornam muito mais difícil para os homens a adaptação à reforma: estão menos habituados a multitarefas e, quando confinados à casa (território das mulheres) sem horário e tarefas definidas, ficam angustiados. Pelo contrário, as mulheres adaptam-se melhor e continuam ocupadas.

O tempo cíclico e a noção de finitude
As atividades cíclicas pontuam o tempo contínuo da vida humana. Aqueles que se mantêm ativos e comprometidos com a vida e a comunidade têm uma percepção de aceleração do tempo mas essas rotinas cíclicas evitam o confronto com o tempo contínuo que conduz à morte, contribuindo para o bem-estar.

A experiência paradoxal do tempo
Alguns participantes relatam uma experiência paradoxal do tempo. Por um lado, as horas e dias passam devagar, mas os meses e anos passam velozes. Novamente a explicação é encontrada na ocupação do tempo, no tempo cíclico mas também na solidão. Monotonia e solidão dão a sensação de que os dias têm longas horas, difíceis de passar, mas ao serem pontuados por eventos cíclicos (ex. almoço de domingo com os filhos) as semanas, os meses ou anos parecem correr rapidamente, a alta velocidade.

Em suma, a narrativa dos participantes sobre o tempo gira em torno de experiências objetivas de ocupação. O desconforto criado pelo tempo contínuo que conduz à morte (noção de finitude) é contrabalançado com a experiência reconfortante do tempo cíclico da vida quotidiana. As pessoas reconhecem o movimento constante e a renovação da vida, a passagem de um legado para as novas gerações e mantêm-se comprometidas com atividades instrumentais úteis para a família e a comunidade, o que se por um lado dá a sensação de acelerar o ritmo da vida, por outro lado introduz o tempo cíclico que modula a noção de finitude.

Constança Paúl, CINTESIS-ICBAS, Universidade do Porto. A autora segue o Acordo Ortográfico

Referência: Draaisma, D. (2004). Why life speeds up as you get older. Cambridge: Cambridge University Press.

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