Para tomar todos os dias, pela manhã: toast and marmalade, até dizer chega

Há uma grande variedade de excelentes marmalades para experimentar. A marmalade caseira é a melhor de todas e não é difícil de fazer.

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Holly’s 1/52/Flickr

Chegou o frio e o frio é o tempo de considerar os bons hábitos alimentares dos povos que conhecem o frio melhor do que nós.

Um dos prazeres matutinos das ilhas britânicas são as torradas com marmalade, o doce de laranja-amarga que pode ser mais ou menos claro, mais ou menos doce e com a casca mais ou menos grossa. Eu cá prefiro as mais escuras, amargas e de casca grossa. Há quem diga que é uma questão de snobice, mas não me parece. Não é só a working class que prefere a marmalade clarinha, adocicada e de casca fininha. De resto, pode-se progredir, começando pelas mais populares e avançando para as mais taxativas.

Há uma grande variedade de excelentes marmalades para experimentar. A marmalade caseira é a melhor de todas e não é difícil de fazer. Os preguiçosos podem comprar laranjas-de-sevilha enlatadas, baratas e prestáveis, já que só leva meia hora a chegar à marmalade. Os afoitos terão laranjas-amargas-de-setúbal no congelador. Os pacientes esperarão até Fevereiro, quando aparecerão as primeiras laranjas-amargas do ano. Em Portugal, há laranjas-amargas por toda a parte: muitas delas apanham-se de graça nas vias públicas, não sei se com inteira legalidade.

A marmalade caseira é a melhor: uma amiga nossa, a Agnes, faz a melhor que já provei e outra amiga, a Rafaela, faz um raro e deliciosíssimo doce de limões-tangerinos.

Dito isto, há muitas marmalades comerciais que são irrecusáveis. São muito, muito boas. Há uma que custa à volta de quatro euros, que é uma obra-prima: a Oxford Marmalade de Frank Cooper. Já não se fabrica em Oxford e já mudou de mãos, mas continua a ser, desde que eu me lembro, a mesma maravilha de dissonância adstringente e ácida, contra-atacada pela profunda, quase caramelizada doçura da compota.

As duas versões principais são a Classic (casca grossa) e a Vintage (casca muito grossa). Ambas são magníficas.

O melhor sítio para descobrir marmalades é a Fortnum and Mason. Para além do concurso anual de marmalades — onde aparecem prodígios feitos com toranja, vodka, laranja-de-sangue e tudo o mais que o engenho humano alcança — a F&M dispõe de uma vasta escolha de orange marmalades em que é difícil escolher as preferidas porque todas têm uma personalidade própria e indispensável. Eis alguns clássicos: Sir Nigel’s Marmalade (aquela que servem nos restaurantes da loja), Old English Hunt, The Monarch Marmalade e Burlington Breakfast. São frascos grandes de 340 gramas e cada um custa apenas 4,95 libras.

Compensa mandar vir uma grande quantidade deles porque nunca cobram mais do que 15 libras de portes — mesmo que o caixote pese 80 quilos. As pechinchas dos gulosos, como comprar marmalade para um ano inteiro, são sempre as mais saborosas.

Não há marmalade sem torradas. Aqui temos de abrir parênteses para falar da estranha maneira inglesa de comer torradas. Eles têm uns arquivadores de torradas — a que chamam toast racks — onde colocam as torradas quentes (geralmente fininhas e triangulares). O pai da antropóloga Kate Fox, autora do livro definitivo sobre as tribos inglesas, chama-lhes toast coolers. E, de facto, arrefecem as torradas. Isto porque os ingleses são malucos por torradas secas, preferindo-as às quentes, mas necessariamente mais húmidas.

A torrada seca leva manteiga sem esta ficar entranhada e, por cima desta camada, vai a camadona de marmalade.

Escusado será dizer que não posso recomendar este perverso método. Uma torrada quer-se o mais quente possível, para receber rapidamente a manteiga amolecida e a respectiva marmalade.

Para tal, as torradas devem fazer-se uma de cada vez. O problema do armazenamento só surge quando se cai na asneira de fazer duas ou quatro de empreitada.

Para os ingleses, a maneira mais chique de comer torradas é arrancar pedacinhos irregulares à fatia e amanteigá-los e “amarmaladá-los” conforme calham. Os snobs entretêm-se a olhar com desdém para os labregos que pegam numa torrada e a barram por inteiro, enfiando o rectângulo maciço na boca, qual caverna.

O acompanhamento é chá, claro, mas também fica muito bem com café de filtro, porque a laranja-amarga reage muito bem ao café. O chá pode ser sem leite, mas o café não pode ser com leite, sob pena de prisão.

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