O que é isso de vinhos naturais?

O tema é polémico e provoca divisões, mas o movimento é cada vez mais forte. Há um conjunto de pequenos produtores que procuram fazer vinhos com um mínimo de intervenção, privilegiando a natureza e práticas artesanais.

Foto
Vinho ao Vivo, evento organizado pelos Goliardos e pelo restaurante À Margem, que junta todos os anos, em Lisboa, produtores e adeptos de vinhos naturais DR

Nos últimos anos, poucos temas têm gerado tanta discussão (e divisão) no mundo dos vinhos como a questão dos chamados “vinhos naturais” e a dicotomia entre estes e os chamados convencionais. A celeuma começa logo pela terminologia. Um dos argumentos mais utilizados para satirizar os defensores deste tipo de vinhos é o de que o único vinho natural que existe, sem a intervenção do homem, é o vinagre. Por outro lado, se é para levar à letra, quem está do outro lado da barricada responde: e o vinho branco é de cor branca?

Ou seja, a terminologia não deve ser levada à letra e há mesmo muitos produtores e outros agentes no mercado favoráveis à causa que preferem outros termos, como raw (cru), “vinhos vivos” ou “vinhos autênticos”. Porém, “natural” é o termo que vingou e como advogam os mais empenhados, porque se trata, igualmente, de defender uma filosofia e um modo de vida de quem pretende marcar uma posição contra a industrialização e uniformização no mundo vinho. Este movimento terá nascido na década de 1980, na região francesa de Beaujolais. Porém, o seu desenvolvimento começou a ganhar maior expressão a partir de 2010, quando muitos restaurantes, bares e lojas de vinhos mais alternativos de Paris, começaram a adoptá-los, uma tendência que rapidamente se foi estendendo a Nova Iorque, Londres, Tóquio ou Copenhaga.

Mas afinal, de que falamos quando falamos de vinhos naturais?

Num sentido mais estrito, os vinhos naturais devem ser elaborados por pequenos produtores com uvas próprias, provenientes de agricultura biológica ou biodinâmica, colhidas manualmente e fermentadas apenas com leveduras autóctones. Por sua vez, é aceitável, no engarrafamento, a adição de uma quantidade mínima de dióxido de enxofre (SO2) — que vai formar os famosos sulfitos mencionados nos rótulos dos vinhos —, ainda que os mais puristas defendam a sua não utilização. Está ainda vedada a adição de quaisquer outros aditivos ou práticas correctivas, bem como grandes filtrações.

A questão dos sulfitos é um dos assuntos mais debatidos e dos que mais discórdia provoca. Estes compostos químicos são utilizados na vinificação convencional, de um modo geral, para controlar uma série de riscos microbianos, e, também, para evitar a oxidação, permitindo assim uma maior estabilidade e durabilidade dos vinhos.

Por outro lado, os partidários dos vinhos naturais denunciam que a utilização de SO2 (e outros aditivos) nas proporções utilizadas pelos “convencionais” mascara os vinhos, retirando-lhe a pureza e a expressão do terroir. Estes consideram ainda normal que exista alguma inconstância de colheita para colheita, ou até mesmo entre garrafas, por se tratar, precisamente, de um produto natural. Há ainda a questão da saúde, como as alergias e intolerância aos sulfitos, ou o facto de, alegadamente, este tipo de vinhos não provocar ressaca, algo que, neste último caso, muitos consideram uma falácia. E como é que o consumidor sabe que está a comprar um vinho natural?

Goste-se ou não, a verdade é que os adeptos dos vinhos naturais têm vindo a aumentar e mesmo muitos que não eram simpatizantes começam a olhar para eles com outros olhos. Isso prende-se, também, com o facto de cada vez haver mais vinhos com menos defeitos e mais pessoas a apreciarem características como a leveza, expressão, riqueza e vibração, que existem nos melhores exemplos.

Porém, o consumidor português que queira iniciar-se no “ritual” enfrenta algumas dificuldades, a começar por não haver uma certificação legal específica. A produção a partir de uvas biológicas é um bom princípio mas não suficiente, uma vez que muitos produtores “bio” fazem uma vinificação próxima do convencional — uma vez que a certificação biológica permite que se adicione uma série de aditivos que o movimento dos vinhos naturais recusa.

Por outro lado, há produtores “naturais” que produzem uvas “bio” mas não certificam, e outros que, não tendo vinhas próprias nem sendo totalmente “bio”, estão mais próximos da filosofia “natural” do que muitos dos biológicos certificados. Também não ajuda que as principais lojas do sector, quando vendem, raramente assinalem ou dediquem grande espaço a estes vinhos.

Mas o panorama tem vindo a mudar, e começa a haver mais formas de chegar a estes vinhos, sobretudo graças ao trabalho contínuo e pioneiro como o d’Os Goliardos, uma distribuidora, importadora, loja online e formadora, criada em 2005, que agrega à sua volta a maior parte dos produtores, bem como vários restaurantes e bares. Merecem ainda destaque eventos como o Vinho ao Vivo, em Lisboa, ou o Simplesmente Vinho, no Porto (em Fevereiro), só para falar dos principais. E se há um conjunto de pequenos produtores dedicados a esta filosofia (ou próximo dela), como a Quinta da Serradinha, Vale da Capucha, Humus (todos na região de Lisboa), Tiago Teles (Bairrada e Vinhos Verdes), Vítor Claro (em várias regiões do país), Aphros e Quinta da Palmirinha (Vinhos Verdes), só para nomear alguns, outros há que começaram a aproximar-se dela, como é o caso de Filipa Pato ou de Dirk Niepoort, que anunciou, recentemente, e com muita polémica à mistura, o lançamento de uma nova linha designada “Nat’Cool”. Também se nota uma maior atenção por parte de alguns escanções nacionais e crê-se que todos estes factores farão com que o movimento ganhe maior força por cá.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários