A Ordem ou a Desordem dos Advogados?

Não deveria a anterior bastonária explicar o que se passou?

São muito preocupantes as conclusões da auditoria às contas da Ordem dos Advogados, de 2011 a 2016, efectuada por uma empresa especializada e de que o PÚBLICO dá notícia num artigo de Mariana Oliveira e Natália Faria, sob o título “Auditoria arrasa funcionamento da Ordem dos Advogados”. Numa organização que devia ser de um enorme rigor e transparência, constata-se que esses são dois valores que primam pela ausência.

No que toca ao funcionamento do Conselho Geral, que é presidido pelo bastonário, pode-se dizer que o relatório é deprimente, para não se dizer pior. Saliente-se que ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados compete, por exemplo, definir a posição da Ordem perante os órgãos de soberania e da administração pública em tudo o que se relaciona com a defesa do Estado de direito, dos direitos, liberdades e garantias e com a administração da justiça. Mas compete, também, ao Conselho Geral deliberar sobre todos os assuntos que respeitem ao exercício da profissão, aos interesses dos advogados e à gestão da Ordem dos Advogados. Isto é, o Conselho Geral é o Conselho de Administração da Ordem.

Ora, o que nos vem dizer este relatório? Que, por exemplo, não houve quaisquer consultas aos mercados para a escolha dos fornecedores de bens e serviços, pelo que os contratos foram celebrados por critérios que se desconhecem. Mas mais grave do que isso é o facto de, relativamente a pagamentos efectuados a sociedade de advogados e a advogados a título independente, relacionados com diversos serviços prestados à Ordem, nas palavras da auditoria, “não existe evidência da forma como as sociedades e os advogados foram seleccionados e quais os critérios de atribuição dos respectivos processos”.

Embora o relatório refira ignorar os critérios que presidiram à escolha das sociedades e dos advogados para prestarem serviços e serem remunerados pela Ordem, a verdade é que o mistério não será total já que, acrescenta o relatório, no triénio 2014-2016, “cerca de 98% dos montantes pagos estão centrados em cinco sociedades de advogados”; basta dizer que uma delas recebeu 57% dos honorários pagos pela Ordem nesse período, isto é, 301.504 euros, e outra 24%, isto é, 127.420 euros. E quanto aos advogados individuais que receberam honorários da Ordem, segundo o relatório, “cerca de 84% dos montantes pagos em 2014-2016 estão concentrados em três advogados”; sendo que um recebeu 187.000 euros, isto é, 40% do que foi pago a advogados nesse período, e outro recebeu 169.050 euros, isto é, 36%.

O jornal Correio da Manhã acrescentou mais alguma coisa num artigo de Sónia Trigueirão com o título “Ex-patrono de Elina Fraga recebeu 314 mil euros”, em que refere que Adérito Pires, ex-patrono da bastonária Elina Fraga, encabeça a lista dos gastos da Ordem como honorários. Mais refere aquele jornal que em segundo lugar surgem as advogadas Sandra Isabel Silva, com 169.000 euros, e Carla Morgado, com 37.000 euros, e que esta advogada foi trabalhar com a ex-bastonária para o mesmo escritório de advogados.

Como terão sido escolhidos estas sociedades de advogados e advogadas? Quais os critérios? Por que razão foram sempre sendo escolhidos? Quais as suas especialidades e os seus especialistas? E como foram fixados os honorários?

Estranhamente, os membros do Conselho Geral — alguns dos quais conheço e considero — ainda não vieram explicar o que os levou a tomar tais opções e seria bom que o fizessem. E os visados também me parece que deveriam vir esclarecer o que se passou. E a própria OA devia esclarecer as razões que levaram à criação desta singular constelação de especialistas. Segundo o relatório, “todo o processo de validação e aprovação dos honorários estava na esfera do bastonário”. Não deveria a anterior bastonária explicar o que se passou? Até porque se, com o novo bastonário, deixaram de ser contratados estes escolhidos, se terá perdido o contributo de algumas das luminárias da profissão.

Profissão que, apesar de tudo, pode ser sinónimo de integridade, seriedade, dedicação aos clientes e rigor, como foi o caso do advogado Simão Santiago, que esta semana morreu. Na verdade, nunca ocupou as páginas dos jornais e nunca foi bastonário nem se candidatou a tal mas foi, tão simplesmente, um discreto mestre da advocacia.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários