A muda da vestimenta

Com cada Inverno despeço-me de mais uma medida generosa do meu amor-próprio.

Muda-se a roupa da cama. Adeus, lençolinho-libelinha que, mal eu levantava o joelho para repelir o manto abafador do algodão, voava com uma asa só. Olá, edredão que pesa 350 quilos e me abraça como um urso polar que adormeceu à frente duma fogueira.
Muda-se a roupa do corpo. Adeus, camisa diáfana de manga curta, sandalinha aberta, calções absurdos à boca-de-sino, bem acima do joelho, mais em nome da ventilação do que do sex appeal. Olá, camisolona de lã-de-amianto, com forro de palha-de-aço, para enfiar só no caso de dispor da protecção de uma grossa camisa de flanela, nunca aos quadrados, para o calor não se dispersar.
Será este ano que compro um barrete ou, pelo menos, uma carapuça? Com cada Inverno despeço-me de mais uma medida generosa do meu amor-próprio. Ando a namorar um daqueles anoraques à Michelin, daqueles que dão a impressão de estarmos presos numa pilha de pneus. São daqueles que nada engordam e, no caso de já se possuir pneus naturais na barriga, contrabalançam-nos, dizem que ao ponto de os anular completamente.
Há sempre uns dias de denial, em que se anda de calções, saltitando por sobre os glaciares. “Estás muito sport-tv”, dizem os amigos embrulhados em cobertores com buracos para os braços. Sibilam “Não tens frio?” com a entoação de quem diz: “És humano ou és um robô?”
Agora exagerei para o outro lado, arrastando-me como o abominável homem das neves, termicamente isolado e esteticamente proscrito, ardendo mais do que em Agosto, perdido na meteorologia.

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