Assédio no trabalho à espera da actualização da lista das doenças profissionais

Governo esgotou prazo de 30 dias para incluir a depressão, o esgotamento e o burnout na lista de doenças profissionais. Sem isso, os custos relacionados com essa doenças não podem ser imputados às empresas como prevê a nova lei do assédio no trabalho.

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Lei sobre o assédio no trabalho entrou em vigor há mais de um mês Daniel Rocha

Mais de um mês depois da entrada em vigor da nova lei sobre o assédio no trabalho, o Governo ainda não avançou com a actualização da lista de doenças profissionais a que ficou obrigado. Está assim criado um vazio legal que inviabiliza a aplicação de um dos pressupostos fundamentais da nova lei: a imputação às empresas de todos os custos relacionados com as doenças profissionais decorrentes do assédio, como, por exemplo, a depressão, o esgotamento ou o burnout.   

“É preciso que doenças do foro psicológico possam ser consideradas doenças profissionais para que, quando exista um nexo de causalidade comprovado entre determinadas práticas laborais e o desenvolvimento destas patologias, a lei possa funcionar em pleno. Sem isso, o que existe é uma espécie de norma vazia”, declarou ao PÚBLICO José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda.

Agastada com a espera, a bancada parlamentar bloquista avança, esta quinta-feira, na Assembleia da República com um projecto de resolução que recomenda ao Governo que regulamente, com a máxima urgência, o quadro legislativo aplicável ao assédio em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais. “Sem isso”, insiste José Soeiro, “é impossível imputar às empresas os custos pela reparação dos danos causados aos trabalhadores”.

"Segurança social suporta as despesas"

Depois de quatro meses de audições e muitas horas de debate, a lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto, prevê no seu artigo 283.º que a responsabilidade pelo pagamento da reparação dos danos emergentes de doença profissional é da Segurança Social, “ficando esta sub-rogada nos direitos dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados, acrescidos de juros de mora vincendos”.

Tradução prática, pela voz de  Soeiro: “A Segurança Social suporta as despesas associadas às doenças, como a baixa médica, consultas e medicamentos, mas depois, tendo ficado provado o nexo de causalidade no âmbito de um processo de assédio, vai cobrar essa despesa à empresa”. E essa é, conclui, “a melhor forma de inibir os comportamentos assediantes nas empresas e de as obrigar a adoptar medidas preventivas”.

Sem uma referência directa destas doenças do foro psicológico na lista de doenças profissionais, porém, permanece tudo como dantes. O que equivale a dizer, ainda segundo Soeiro, que “continua a compensar às empresas que se queiram ver livres de um trabalhador recorrer a todo o tipo de práticas assediantes na esperança de que este acabe por sair pelo próprio pé, dispensando o empregador do pagamento das compensações pela cessação do contrato de trabalho”.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre os motivos deste atraso, mas não obteve qualquer resposta até à noite desta quarta-feira.

Nos restantes pontos fundamentais, a lei vigora sem obstáculos, nomeadamente na inclusão das empresas que venham a ser condenadas por assédio numa “lista negra” a publicar no site da Autoridade para as Condições de Trabalho.

O novo quadro legal clarificou a proibição de todos os tipos de assédio, nomeadamente do que ocorre por recurso a email ou telefone e é perpetrado por pessoas externas à empresa, como fornecedores. Além disso, proíbe as empresas de lançar processos disciplinares contra os trabalhadores como mecanismo de retaliação contra quem se queixa de assédio ou aceita testemunhar num processo deste âmbito. 

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