Compromissos governamentais versus compromissos locais?

Se para formar Governo o PCP foi capaz de alcançar acordos com o PS, por que não é possível o PCP assumir compromissos com o PS a nível municipal?

Quando Jerónimo de Sousa, no dia das eleições gerais, abriu as portas a um entendimento com o PS, centenas de milhares de portugueses compreenderam ainda melhor a razão do voto no PCP. Para um partido político almejar e conseguir o poder ou condicioná-lo é uma das razões da sua existência — lograr realizar um conjunto de objetivos em que assenta a sua base e projeto político.

Nos últimos 40 anos, o PCP nunca teve o poder que hoje tem — o poder de derrubar o governo na Assembleia da República. Tal só foi possível porque o PS virou o azimute e o PCP tem uma votação significativa que lhe permite esse condicionamento do PS.

Nesta circunstância, ambos os partidos e o BE entenderam que, para resolver problemas nucleares do país (parar o empobrecimento, devolver rendimentos retirados e fazer crescer a economia) era necessário um compromisso que se refletiu no acordo parlamentar que garante ao PS o poder de governar.

Os compromissos entre os social-democratas e os comunistas não são de hoje. Têm mais de um século. E não só os compromissos, mas também os combates entre ambos.

A crise não bateu só à porta dos comunistas. Bateu também com força no movimento social-democrata, tendo levado, nos dias de hoje, alguns partidos socialistas à beira do desaparecimento, como acontecera a alguns partidos comunistas menos preparados para o embate da crise gerada com a derrocada da URSS.

A globalização neoliberal instalou na arena internacional um modelo único baseado num pensamento único — todo o poder aos mercados. A situação mundial é caótica, instável e altamente volátil e a expressão da desregulação operada pelas forças que comandam o lema de todo o poder aos donos do dinheiro.

O embate é tão forte e largo que os partidos comunistas e outros de esquerda não estão em condições de travar sozinhos esse enfrentamento, o que significa que são necessárias convergências e alianças para impedir que o neoliberalismo destrua conquistas alcançadas com tanta luta e sofrimento desde meados do século passado.

Na verdade, muitos partidos socialistas soçobraram e renderam-se ao neoliberalismo, sobretudo desde que Tony Blair (o da guerra do Iraque) enterrou a social-democracia, guinou ao centro e fez diluir as fronteiras entre o trabalhismo e os conservadores ou os liberais. Foi a catástrofe para a população do Reino Unido. O mesmo se passou em França.

Teve, pois, António Costa a virtude (fosse qual fosse a razão) de guinar para o outro lado e chegar a acordo com o PCP, o BE e o PEV para mudar a política seguida por Passos Coelho/Portas/Cristas.

É evidente que, neste contexto, seria de esperar que o PS (quase sempre associado à direita) viesse a recuperar eleitorado que fugia para o BE, o PCP e a abstenção. Mas também é evidente que os outros parceiros da convergência parlamentar não ficaram com as mãos atadas para esclarecer e mobilizar os seus eleitorados e para reforçar as suas posições.

Sem eles não teria sido possível que o PS governasse como está a governar. E este dado é importantíssimo para a população compreender a importância destes partidos em termos de poder.

Há muita vida para além da convergência e muitas lutas a travar para que sejam resolvidos os problemas da convergência, bem como muitos outros que não foram possíveis incluir na convergência.

O facto de o PS recuperar eleitores nas eleições autárquicas e ir buscar novos eleitores não impedia que os outros parceiros defendessem o seu terreno e o alargassem, tendo para tanto que saber lidar com a nova situação.

Ora, se para formar Governo o PCP foi capaz e bem de alcançar com o PS acordos, por que não é possível o PCP assumir compromissos com o PS a nível municipal? Para encostar o BE ao PS, na mira de o fazer pagar um preço que não se vislumbra, a não ser que se parta da ideia que os acordos municipais são maus, podendo ser bons acordos de poder governamental... O PCP pugnou e alcançou com Jorge Sampaio e João Soares acordos em Lisboa que foram, no geral, bons para a cidade. Por que não haveriam de ser agora desde que fossem orientados para dar expressão a certas aspirações mais populares?

Na verdade, este posicionamento reduz espaços ao PCP e retira-lhe força e atração para que seja visto como um partido útil num terreno onde granjeou prestígio e força.

Por que motivo os comunistas rejeitam a nível municipal acordos onde os problemas têm um caratér menos classista e por estarem em causa a defesa dos interesses das populações? Há muitos anos, cerca de 40, o PCP nas suas listas tinha mais independentes que filiados e para a defesa dos interesses das populações convergia com quem estivesse interessado nessa defesa, fosse quem fosse. Nem sempre a idade é sabedoria e coerência.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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