"Os hospitais são intocáveis há décadas e estamos a geri-los como há 20 anos"

Os portugueses já pagam do seu bolso cerca de 28% do total dos gastos com a saúde, um valor "altamente preocupante", defende o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Jorge Simões.

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Rita Franca

O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Jorge Simões, afirma que "na saúde, ou as coisas se pensam com o mínimo de antecedência ou então andamos sistematicamente a decidir em cima do joelho".

Os estudos que apresentam esta quarta-feira são os primeiros resultados da actividade do Conselho Nacional de Saúde. Por que quiseram analisar os fluxos financeiros no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
Apresentamos dois estudos. Um visou saber com rigor de onde é que vem o dinheiro para o SNS. E, se a forma de captação de recursos é clara, já se torna muito menos claro onde é aplicado o dinheiro. Queremos tornar mais transparente aquilo que é menos transparente, incluindo as transferências para os privados, para que todos tenham uma ideia muito mais rigorosa de onde é aplicado o dinheiro votado na Assembleia da República.

Percebe-se que os gastos são claramente insuficientes em algumas áreas. Por exemplo, a verba  para a prevenção é baixíssima e até diminuiu nos últimos anos. E a despesa em Saúde em percentagem do PIB passou a ser inferior à média da OCDE.
Sim, em especial a despesa pública, essa é significativamente inferior. Já o dissemos noutras circunstâncias: há uma luz vermelha que é a dos pagamentos directos que representa 28%, é out of pocket, aquilo que sai do bolso dos portugueses. É um valor altamente preocupante. Depois, nós não temos bem a noção de quanto gastamos em cuidados preventivos, aquilo que conseguimos identificar foi uma percentagem de 1,1% da despesa do SNS. Agora, este número tem que ser lido com cuidado. Eventualmente, haverá valores que não conseguimos identificar. Mas gostaria muito que alguém me desmentisse e provasse que o valor [para prevenção] é muito mais elevado.

O que se percebe também é que, por exemplo, gastamos muito menos dinheiro com cuidados continuados do que com diálise. E que os encargos com PPP resvalaram, ficaram 4% acima do projectado em 2016.
Exactamente. Para a diálise foram foram 247 milhões de euros [em 2015]. Mas não quero fazer juízos de valor. Haverá quem entenda que estamos a transferir muito dinheiro para o privado, haverá quem entenda que não… Nós não fazemos essa análise. O que levou à criação do CNS foi a necessidade de encontrar consensos muito alargados. O que está a ser muito interessante é o encontro de entidades como as associações de doentes, os municípios e freguesias e os representantes das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Não podemos olhar só para Portugal continental.

Recomendam que orçamento para a Saúde seja plurianual quando agora é anual. Porquê?
Na saúde, ou as coisas se pensam com o mínimo de antecedência ou então andamos sistematicamente a decidir em cima do joelho. Precisamos de ter alguma estabilidade em relação a políticas de saúde. O orçamento é a tradução de estratégias e estas têm que ter uma tradução orçamental que não seja meramente de um ano. Também recomendamos que sejam avaliados os serviços que o SNS pretende internalizar e aqueles em que é mais vantajoso recorrer a entidades externas. 

A dívida continua a crescer, isto reflecte a suborçamentação?
Sim, mesmo que haja ainda espaço para melhorias de eficiências – e a criação dos Centros de Responsabilidade Integrada pode ser um bom instrumento para melhorar a eficiência no âmbito hospitalar - , há sempre um valor orçamentado que fica aquém do que é a despesa efectiva do SNS. Os hospitais são intocáveis há décadas, estamos a geri-los como há 20 anos. A realidade actual é que há uma dívida a fornecedores superior a mil milhões de euros. Temos um orçamento, em números redondos, de 9 mil milhões de euros. Na verdade, temos uma suborçamentação que não andará longe dos mil milhões de euros. 

Mais mil milhões de euros por ano seria um montante aceitável para este sector, portanto?
O que estamos a falar é de dívidas a fornecedores. Mas temos que estabelecer prioridades e verificar até que ponto esse valor [mil milhões de euros] é possível ou não. Agora, também não é possível para as empresas que fornecem o SNS ter um pagamento tão dilatado no tempo. De resto, dizemos que a oferta de cuidados deve ser adequada ao perfil epidemiológico e que temos que trabalhar muito mais os determinantes sociais da saúde, passando da retórica à prática. Mas mais de metade dos resultados positivos em saúde resultam de intervenções fora do sistema de saúde, na área do ambiente, agricultura, ordenamento território, do rendimento, da educação. Temos que investir muito mais nos cuidados preventivos do que nos curativos.

No estudo sobre a informação, defendem que as instituições realizem relatórios conjuntos. Porquê?
Concluimos que não há falta de informação e que os resultados têm enorme qualidade. Mas é necessária uma perspectiva mais longitudinal e mais articulação entre as instituições. Por isso sugerimos que haja relatórios conjuntos e que se inclua sempre os Açores e a Madeira.

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