Governo tem software há dois anos para controlar SIRESP e nunca o usou

Protecção Civil pediu ao MAI que lhe permitisse usar o software depois de Pedrógão, mas tal não aconteceu. Nos incêndios 15 de Outubro, o sistema de vigilância em tempo real do SIRESP ainda não estava disponível.

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Traces ajuda a decidir onde instalar postos de comando e antenas do SIRESP, matéria acerca da qual a Protecção Civil foi criticada Daniel Rocha

"Solicita-se que as licenças de cliente Traces sejam entregues de imediato ao seu proprietário, a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), para melhor monitorização e resposta do sistema [SIRESP]". Este foi o pedido do então presidente da ANPC, Joaquim Leitão, num ofício de 11 de Agosto a que o PÚBLICO teve acesso, ao então secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, que nunca foi aceite. Até hoje, apesar de o software Traces ter sido comprado em 2015, nunca foi utilizado pelo seu principal cliente e comprador, a ANPC, por não lhe ter sido entregue pela Secretaria-geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) a licença de utilização. Nem em Pedrógão, nem nos incêndios de todo o Verão, incluindo os de 15 de Outubro, apesar de terem ocorrido depois do pedido. 

Em respostas a perguntas do PÚBLICO, a ANPC confirma que o software em causa "nunca foi utilizado" e que "até à presente data [dia 3 de Novembro], as referidas licenças não se encontram na ANPC". O software de que fala a ANPC tem como função monitorizar em tempo real a cobertura da rede SIRESP, oferecendo dados técnicos que ajudam na tomada algumas decisões operacionais no combate aos incêndios, como por exemplo na instalação dos postos de comando ou no pedido e instalação das antenas móveis do SIRESP, em zonas que garantam melhor cobertura. 

Isso mesmo é admitido nas respostas de Joaquim Leitão ao PÚBLICO, que diz que a utilização do Traces "habilitaria o comandante das operações de socorro de qualquer teatro de operações a ter informação fidedigna acerca da cobertura da rede SIRESP e de outra redes convencionais na zona", permitindo, por exemplo, a escolha do local do posto de comando. A instalação do centro de operações um pouco às cegas foi uma das questões criticadas no relatório dos técnicos independentes sobre o incêndio de Pedrógão Grande. 

Foi, aliás, com base nas críticas que foram feitas à ANPC pela instalação do posto de comando num sítio sem rede, o que dificultou ainda mais as comunicações, que Joaquim Leitão pediu em Agosto as licenças que lhe são devidas para poder usar o software, dizendo no mesmo ofício de Agosto que há "decisões operacionais nos teatros de operações" que "têm de ser em cada um dos momentos sustentadas tecnicamente". 

Foi essa valência que levou a ANPC a comprar a aplicação, que consiste em "mapas de cobertura [e é] destinada a reforçar o serviço da rede SIRESP em situações de emergência", como se pode ler no contrato de compra do sistema, em Maio de 2015.

Foi nesse mês, ainda com o anterior Governo, que a ANCP comprou o sofware à Motorola por um valor total de 200 mil euros. Sete meses depois, já com o actual Governo em funções, foi assinado o acto de entrega do produto, que viria acompanhado de duas licenças de utilização: uma para a ANPC, outra para a SGMAI. Contudo, as duas ficaram nesta última.

Em Julho do ano passado foi dado novo passo para a utilização do software com a "aquisição de um servidor para a aplicação Traces e uma estação de trabalho" pela SGMAI, com contrato publicado no portal Base. Mas depois disso, nada mais se sabe sobre a utilização que foi dada a este sistema. O PÚBLICO questionou o MAI nos últimos dias sobre a utilização deste software pela SGMAI, uma vez que é esta a entidade gestora do SIRESP, mas ainda não obteve resposta.

A propósito do uso, ou não, deste software, recorde-se que a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), na sequência da tragédia de Pedrógão, avaliou o cumprimento da SGMAI das obrigações de “gestão, manutenção e fiscalização do SIRESP”. No relatório, sem referir o Traces, a IGAI conclui que a SGMAI não tem qualquer instrumento que lhe permita confirmar as falhas da rede e que tem de ser a própria empresa a admiti-las.  Acrescenta que “a SGMAI não implementou qualquer mecanismo de detecção de eventuais incumprimentos”. Esta frase é aplicada ao trabalho da SGMAI, que só recentemente constituiu uma equipa permanente de controlo do SIRESP, tal como noticiado pelo PÚBLICO.
Se estivesse a ser utilizado, o Traces permitiria, pelo menos, a monitorização destas falhas em tempo real.

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