Weinstein contratou espiões e jornalistas para tentar evitar denúncias de violações

Produtor pagou à agência de investigação privada israelita Black Cube, fundada por ex-agentes da Mossad, para investigar a actriz Rose McGowan, revela um artigo da New Yorker, segundo o qual Weinstein, acusado de várias violações, tinha também jornalistas a soldo.

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Harvey Weinstein LUSA/PETER FOLEY / POOL

O produtor Harvey Weinstein contratou, através do advogado David Boies, a agência de segurança privada israelita Black Cube, fundada e maioritariamente formada por ex-oficiais da Mossad, para investigar actrizes que o acusavam de violação e jornalistas que se preparavam para divulgar essas denúncias. A revelação foi feita esta segunda-feira num artigo de Ronan Farrow para a revista New Yorker, na qual este jornalista e activista, filho da actriz Mia Farrow, já publicara em Outubro uma extensa investigação comprometendo o fundador da Miramax em vários casos de violação e assédio sexual.

Terá sido já no Outono de 2016 que Weinstein começou a recorrer a agências de segurança privadas para tentar travar a divulgação pública dos seus ataques sexuais, coligindo informações sobre as mulheres que ameaçavam denunciá-lo e os jornalistas com quem estas estavam a falar. Segundo a New Yorker, o produtor de Hollywood contratou designadamente a Kroll, uma das maiores agências de investigação na área do crime económico e da cibersegurança, e a Black Cube, uma organização com escritórios em Telavive, Londres e Paris, que se apresenta a si própria como “um selecto grupo de veteranos das unidades de elite dos serviços de informação israelitas”.

Um dos alvos que a Black Cube investigou a pedido do advogado de Weinstein foi a actriz Rose McGowan, que afirmou recentemente ter sido violada pelo produtor quando tinha 23 anos, acusando ainda a Amazon Studios, a cujos responsáveis se queixou do sucedido, de ter deixado cair a série que projectava fazer com ela. McGowan tinha participado, em 1996, quando se terá dado a violação, no elenco do filme Gritos, realizado por Wes Craven e produzido pelos irmãos Weinstein. No início de Outubro, o jornal New York Times incluía a actriz entre as muitas vítimas de agressões sexuais do produtor a quem este pagara para evitar processos judiciais. McGowan terá aceitado cem mil dólares para assinar um acordo de confidencialidade.

O artigo agora publicado por Ronan Farrow vem mostrar que as mulheres que acusassem Harvey Weinstein poderiam não arriscar apenas contratempos profissionais. Rose McGowan, por exemplo, foi repetidamente visitada por uma agente da Black Cube que se fez passar por uma advogada envolvida na causa dos direitos das mulheres.

A acompanhar o trabalho de Farrow, a New Yorker mostra a digitalização de um contrato firmado em Julho deste ano entre a Black Cube e David Boies (um advogado de reputação liberal que representou Al Gore quando este pediu a recontagem dos votos da Florida nas eleições presidenciais de 2000), de acordo com o qual a empresa de segurança israelita se compromete a tentar reunir informação que ajude a impedir a publicação de um artigo centrado em acusações de assédio sexual contra Weinstein (que este já sabia que estava a ser preparado pelo New York Times), e ainda a obter o manuscrito de um livro de memórias que Rose McGowan estaria a escrever.

Mas Weinstein, garante a New Yorker, terá encarregado esta e outras agências privadas de “coligir informação sobre dúzias de pessoas e de compilar perfis psicológicos que, em alguns casos, relatavam a vida sexual” dos visados”.

As técnicas da Black Cube eram bastante sofisticadas. Em Maio de 2017, McGowan recebeu um email de uma agente literária que servia de intermediária para a apresentar a uma mulher chamada Diana Filip, que se auto-intitulava advogada e subdirectora do departamento de investimentos numa empresa de gestão de fortunas com sede em Londres, a Reubens Capital Partners, e que estava a desenvolver um projecto destinado a combater a discriminação contra as mulheres no local de trabalho. Filip ofereceu 60 mil dólares a McGowan para discursar na gala que iria servir para lançar o projecto, no final do ano.

Falsa identidade

Nos meses seguintes, Filip e a actriz encontraram-se várias vezes, e McGowan acabou por lhe contar que falara com Ronan Farrow para o artigo que este estava a preparar sobre Weinstein. “Uma semana mais tarde”, conta o jornalista, “recebi um email de Filip pedindo um encontro e sugerindo que eu devia juntar-me à sua campanha contra a discriminação profissional das mulheres”. A mulher usava um email da Reubens Capital Partners e elogiava com entusiasmo o trabalho do jornalista, mas, mesmo assim, Farrow achou mais prudente não responder. 

A advogada manteve os encontros com a actriz, e a dada altura apresentou-lhe um colega da firma, que dizia chamar-se Paul. E no dia em que a New Yorker publicou o artigo de Farrow, enviou a McGowan um email em que dizia: “Olá, querida. Como é que te sentes?... Só queria que soubesses como te acho corajosa”.

Mas Diana Filip, como Farrow veio a descobrir, era afinal uma antiga oficial das forças de segurança israelitas, actualmente a trabalhar para a Black Cube. E quando o jornalista enviou a McGowan uma fotografia da agente, a actriz reconheceu imediatamente a suposta advogada e activista.

Já a Ben Wallace, um jornalista que estava a trabalhar num artigo sobre Weinstein, a mesma agente apresentara-se em Outubro de 2016 como sendo Anna, uma mulher com razões de queixa do produtor. Quer o número de telemóvel que Anna lhe facultou, quer o que Filip dera a McGowan, foram entretanto desactivados. As tentativas de Farrow de ligar para a sede londrina da Reuben Capitals também se revelaram vãs, e o jornalista cita fontes que conheceriam de perto as relações de Weinstein com a empresa israelita e que lhe terão assegurado que uma das práticas da Black Cube era “criar empresas fictícias para servirem de fachada aos seus agentes”.

O extenso artigo de Farrow adianta ainda que a Black Cube terá pago a um jornalista de investigação para fazer várias entrevistas cujos resultados eram depois enviados pela empresa a Weinstein. McGowan foi uma das entrevistadas, e o mesmo jornalista, que o artigo não identifica, terá ainda contactado outra alegada vítima do produtor, a actriz Anabella Sciorra, que achou a conversa suspeita e se convenceu de que era um enviado de Wenstein a testá-la.

Já o jornalista Dylan Howard, responsável de conteúdos da American Media Inc. (AMI), que publica o tablóide National Enquirer, é mesmo identificado no trabalho da New Yorker, que o acusa de passar a Weinstein as informações recolhidas por um dos seus repórteres, numa assumida tentativa de ajudar o produtor a desacreditar as acusações de McGowan. Howard assume os factos, mas alega que, na altura, era responsável, na AMI, pela supervisão de um acordo com Weinstein para uma produção televisiva, e que considerou ser sua obrigação reunir informações sobre pessoas que o produtor insistia que estavam a difamá-lo. 

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