Miranda Calha elogia o Presidente da República e sugere “mais poderes”

A participação das Forças Armadas na prevenção da Segurança Interna do Estado, nomeadamente no domínio dos incêndios, é defendida por Miranda Calha, porque o Estado “não é um conjunto de feudos". E recusa-se a comentar a actuação de Azeredo Lopes no caso de Tancos.

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Miranda Calha é deputado desde a Assembleia Constituinte de onde saiu para ser secretário de Estado da Defesa em 2005 evr Enric Vives-Rubio

O deputado do PS Miranda Calha elogia as intervenções recentes do Presidente da República na sequência dos incêndios que vitimaram mais de cem pessoas, considerando que foram “um contributo importantíssimo” para a reconstrução do país.

“Eu considero a intervenção do Presidente da República no passado recente um contributo importantíssimo para passarmos a outras fases em termos daquilo que é a reconstrução do país e a possibilidade de olharmos para diante e pensar no futuro. Costumo dizer que os políticos pensam nas eleições, mas os homens de Estado pensam nas próximas gerações, elas devem estar sempre no nosso horizonte”, afirmou, em entrevista à Lusa.

Júlio Francisco Miranda Calha, 70 anos, eleito deputado desde a Constituinte, foi secretário de Estado da Defesa Nacional e integra actualmente a comissão parlamentar de Defesa Nacional. Para Miranda Calha, é preciso não esquecer que se a Assembleia da República é eleita directamente pelo povo, “o Presidente da República também é eleito directamente pelo povo” e “mal seria que não se soubesse interpretar o sentimento do povo nas diversas circunstâncias que vivemos no país”. E afirma: “Por isso, é que eu apreciei a intervenção do Presidente da República, fez uma abordagem sobre uma situação grave a viver no país.” Quanto aos outros órgãos de soberania, o deputado considerou que “estão a fazer aquilo que devem ser as suas competências”.

Questionado sobre alguma eventual “tensão” entre o Governo e o Presidente da República, o deputado disse que “não vê” qualquer situação que deva suscitar preocupação, reiterando os elogios a Marcelo Rebelo de Sousa pelos posicionamentos que assumiu na sequência das tragédias dos incêndios. O socialista considerou que “é evidente” que “se vive uma nova fase” a nível político e sustentou que “cada um está a cumprir as suas competências face às funções para que foram eleitos”. E sublinhou: “É evidente que temos uma nova fase, a partir desta altura e de duas tragédias que tiveram as repercussões que tiveram. Não podemos esquecer nunca mais estas tragédias, temos a obrigação e o dever de trabalhar para dar ânimo e reconstruir.”

Mais poderes ao PR

Considerando que o Presidente da República agiu dentro das suas competências, Miranda Calha defendeu a necessidade de rever a Constituição para alargar “os poderes” do chefe do Estado “não só na representação externa do país, mas também na área da Defesa”. E explicou a sua posição garantindo que “são eixos importantes do que significa a permanência de certas políticas”, reiterando que são “áreas e sectores em que deve haver maior substância e poderes inerentes ao Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas”.

O deputado defendeu ainda que outra “ilacção” a retirar dos incêndios deste ano é a necessidade de “fazer pedagogia” sobre a participação cívica e sobre a aproximação dos jovens às instituições da sociedade portuguesa. Nesse sentido, sugeriu a criação de um “serviço cívico nacional” que fosse além do que hoje se faz no “Dia da Defesa Nacional”, criado na sequência do fim do serviço militar obrigatório.

A criação desse “serviço cívico nacional”, de carácter voluntário, seria uma “maneira de os jovens participarem em acções de instituições como a Protecção Civil, forças de segurança, instituições de solidariedade social e Forças Armadas”, no sentido de conhecerem as missões e de poderem “dar um contributo”.

Defesa deve participar na Segurança

Miranda Calha defende que as consequências dos incêndios em Portugal mostraram a urgência de reforçar a participação da Defesa e das Forças Armadas nas áreas da Segurança, considerando que faltou “comando e controlo”. O deputado socialista afirmou: “Os acontecimentos que tiveram lugar em Portugal demonstram a necessidade de um reforço da participação da Defesa nas áreas da Segurança. Quando falamos de incêndios não é só a calamidade em si, é uma situação que coloca problemas críticos de segurança em termos nacionais.”

E explicou a sua posição. “O que é que faltou naquelas situações? Resume-se a duas palavras, comando e controlo”, disse, acrescentando que o combate a incêndios com as características dos que assolaram o país “é no fundo quase que uma verdadeira operação militar e deve ser considerada num contexto deste género”.

Para Miranda Calha, o que não pode acontecer é o esforço de cooperação e “colaboração efectiva” entre Defesa e Segurança ser posto em causa por “bloqueios de relacionamento” entre “departamentos do Estado”. O Estado “não é um conjunto de feudos, é um organismo único que tem diversas missões” e “não deve haver uma espécie de bloqueio no relacionamento entre os departamentos”, sublinhou.

Miranda Calha defendeu que o Conselho Superior de Defesa Nacional deveria evoluir para um Conselho Superior de Segurança e Defesa e que a lei que institui um “gabinete de crise” na dependência do primeiro-ministro, criada em 2004, devia ser “revisitada”, considerando que fazia sentido que, numa “situação de emergência” como o foram os incêndios, pudesse ser activado.

“Não temos outro caminho se não ir por aí, aqui há implicações constitucionais, a Constituição da República prevê um Conselho Superior de Defesa Nacional, mas temos de pensar que este Conselho deve progredir no sentido de um Conselho de Defesa e de Segurança”, advogou, acrescentando: “A nossa Constituição prevê uma actuação que tem a ver com ameaças externas, mas as questões que se colocam hoje, terrorismo, ataques cibernéticos”, compagina uma nova realidade.

O deputado sugeriu que fosse “recomposto um organismo que existiu, o conselho de planeamento civil de emergência”, mas cujas atribuições e objectivos acabaram por “ser dispersos” na Autoridade Nacional de Protecção Civil. “São as próprias populações que falam, por que é que a Força Aérea não atua. São as populações. Um Estado previdente como o nosso devia, obviamente, já ter tido uma antevisão em relação a essas perspectivas”, disse. Para o deputado socialista, uma maior participação das Forças Armadas no combate aos incêndios significa que, “obviamente”, as “Forças Armadas precisarão de ser dotadas dos seus equipamentos e, certamente, das condições adequadas para desenvolver essas actividades”.

“Não avalio” ministro da Defesa

Quanto à mudança dos paióis militares “de um lado para o outro”, como foi feito depois do desaparecimento do material de guerra do quartel de Tancos, o deputado do PS defendeu que esta é uma “solução de momento”, exigindo “soluções estáveis” que evitem mais furtos. “É evidente que podemos mudar os paióis de um lado para o outro, isso é solução do momento, agora temos de ter é soluções mais estáveis e mais consequentes em termos de futuro para que não voltem a acontecer coisas deste género”, justificou.

A recuperação, no passado dia 18, pela Polícia Judiciária Militar (PJM) do material roubado resolveu um problema - “os receios na sociedade portuguesa sobre como é que o armamento podia ser utilizado” - mas, “é preciso informação mais ampla” sobre “muitas interrogações que se colocam” depois do furto de material militar dos paióis de Tancos, entretanto desactivados, avisou o deputado do PS.

Miranda Calha sublinhou ainda que foi o PS que requereu a audição parlamentar, que possivelmente irá ocorrer em meados do mês, do ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, na sequência do anúncio, feito pela PJM, da recuperação do material que havia sido furtado na base de Tancos, em Junho. “Ter acontecido um roubo, aliás houve uma altura até quase que se colocava dúvidas sobre essa matéria, mas ter acontecido isso e não tomar as disposições adequadas implica uma reflexão”, considerou.

Questionado sobre como é que avalia a actuação do ministro da Defesa Nacional nesta matéria, o deputado do PS respondeu: “não avalio nem tenho de avaliar, não faço considerações sobre essas matérias, todas as pessoas fazem as suas leituras”.

A Polícia Judiciária Militar anunciou em comunicado, no passado dia 18, que, no âmbito de investigações de combate ao tráfico e comércio ilícito de material de guerra, recuperou na “região da Chamusca, com a colaboração do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé, o material de guerra furtado dos Paióis Nacionais de Tancos. Depois de conferido o material, depositado no campo militar de Santa Margarida, o chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, confirmou na terça-feira que faltam as munições de 9 milímetros e revelou que apareceu uma caixa de petardos que não constava da relação inicial do material em falta.

O Exército concluiu na terça-feira a operação de desactivação dos paióis de Tancos, com a transferência da última coluna com material militar para o campo de Tiro de Alcochete, da Força Aérea Portuguesa. O material que se encontrava naquela base militar foi distribuído pelos paióis do campo militar de Santa Margarida, do Exército, do Marco do Grilo, Seixal, (Marinha) e Campo de Tiro de Alcochete (Força Aérea).

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