Justiça e respeito

De repente, a sociedade civil acordou e percebeu que temos juízes injustos e carentes de formação jurídica.

De repente, a sociedade civil acordou e percebeu que temos juízes injustos e carentes de formação jurídica. Em Portugal, o fosso existente entre os juízes e os cidadãos sempre foi abissal, e nem com o "25 de Abril" essa realidade se alterou. Implantou-se um sistema de distanciamento sociológico comunicacional e cívico, desde a entrada dos alunos-candidatos a juízes na respectiva escola, ou seja no Centro de Estudos Judiciários. O afastamento gera secretismo, dedicação aos deveres e, naturalmente, exacerba o respeito pelos órgãos superiores da tutela.

A falta de comunicação com a sociedade reflete-se até no acesso à própria carreira judicial. E isto porque os candidatos, maioritariamente, não a elegem por vocação, mas sim pela "estabilidade de emprego" que oferece e pela "remuneração certa e segura" que a dita carreira é suscetível de proporcionar.

O sistema jurídico e político português, à semelhança do que acontece na maioria dos países europeus, está profundamente ligado à função jurisdicional (atividade de administração da justiça exercida pelos tribunais). Os tribunais são independentes dos órgãos políticos e submetem-se apenas à lei.

Os juízes, como não são eleitos, têm a sua legitimidade diretamente aprovada na lei, elaborada pelos deputados (lei da Assembleia da República) ou pelos governantes (decreto-lei do Governo). Os juízes limitam-se a aplicar a lei aos casos concretos. A separação entre o poder político e o poder judicial reside apenas entre o poder de elaborar as leis e o poder de as aplicar aos atos processuais. Esta separação advém dos princípios tradicionais da Revolução Francesa e da Independência dos EUA, princípios esses que consistem em dividir o poder e de encontrar, como dizia Montesquieu, uma disposição das coisa "em que o poder detém o poder".

Os juízes sujeitam-se à lei e as suas decisões são supervisionadas por distintas instâncias, ou seja, os juízes de primeira instância são monitorizados pelos seus colegas da segunda instância (Tribunais da Relação) e estes, por sua vez, são igualmente monitorizados pelos colegas do Supremo Tribunal de Justiça. Os juízos da primeira instância são ainda inspecionados pelos colegas inspetores, todos eles com a categoria de juízes desembargadores (juízos da Relação), os quais são nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura, órgão superior de disciplina dos juízes e com competências de nomeação, colocação, transferência e promoção dos mesmos juízes.

Como facilmente se depreende, colocar tanto poder num único órgão não beneficia os cidadãos e nem os próprios juízes, descredibilizando a sua independência avaliativa, porque a mesma não é feita por um órgão independente.

Falta-nos, há muito tempo, uma estratégia nacional de justiça, por meio da qual se defina que justiça pretendemos. Por isso, três perguntas neste momento me ocorrem: continuamos com jurisprudência díspar sobre a mesma matéria, ou definimos uma linha de coesão? Continuamos a permitir que juízes aceitem funções partidárias e que depois regressem aos tribunais? Continuamos a admitir que juízes façam parte de órgãos disciplinares de justiça arbitrária, seja de futebol ou seja de outra entidade privada qualquer?

Portugal é, com razão, um dos países com maior tolerância na diversidade sexual. Aceitámos, desde 2010, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, desde fevereiro de 2016, a adoção de filhos por casais homossexuais. Reivindicamos, por conseguinte, o direito de o poder judicial permitir que cada um viva ou expresse a sua identidade sexual sem que por isso deixe de ser menos digno de respeito.

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