Será que o roubo de gasóleo explica os disparos de Pedro Dias?

Ex-mulher do suspeito acredita que Pedro Dias não queria ser apanhado a roubar para não perder a guarda da filha, que tinha conseguido semanas antes após anos de disputas nos tribunais.

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O julgamento de Pedro Dias começou ontem no Tribunal da Guarda MIGUEL PEREIRA DA SILVA/LUSA

A reacção surpreendente que terá levado Pedro Dias a disparar a matar sobre um militar da GNR de 29 anos e mais tarde sobre outro de 41 pode resumir-se ao facto do homem conhecido como o homicida de Aguiar da Beira não se poder dar ao luxo de ser apanhado a roubar. Tal implicaria a perda da guarda da filha, que Pedro Dias tinha conseguido semanas antes, após anos de disputas nos tribunais com a ex-mulher.

A tese é da antiga companheira de Pedro Dias, mãe da sua filha mais velha, que apresentou uma queixa-crime contra o antigo companheiro por violência doméstica, um caso que terminou há uns anos com uma condenação em pena de prisão suspensa. Pedro Dias é suspeito de três homicídios e de duas tentativas de assassinato.

Para evitar perder a guarda da filha, Pedro Dias fizera aquilo que na cabeça de um psicopata – diagnóstico feito no processo de violência doméstica – era mais fácil: matara quem punha em causa essa vitória. Aliás, a ex-namorada que ajuda Pedro Dias no dia dos crimes, relata que o ex-namorado lhe contara “contente” que conseguira a guarda da menina, agora com 11 anos. Os pormenores parecem encaixar neste puzzle gigante que parece não dar descanso à principal testemunha do caso, o militar da GNR que sobreviveu a dois disparos, que depôs esta sexta-feira no tribunal da Guarda, no arranque do julgamento.

Convenceu a filha a viver com ele

Talvez porque desconhecesse que apesar de vários pedidos os tribunais nunca entregaram a guarda da menina ao pai. Não evitaram, contudo, que Pedro Dias a convencesse que estaria melhor a viver com ele e com os avós, em Arouca. A mãe bem lutou contra a ideia, mas acabou por ter que ceder convencida de que a filha depois de experimentar viver com o pai acabaria por querer voltar para casa dela.

Não teve que esperar muito. Afinal apenas algumas semanas após conseguir a guarda da filha, através de um acordo validado pelos tribunais, Pedro Dias protagoniza uma das mais mediáticas fugas no país. Entre a madrugada de 11 de Outubro do ano passado, altura em que terá matado duas pessoas e ferido outras duas com gravidade, e 8 de Novembro, altura em que se entrega à GNR, Pedro Dias terá tentado matar outra mulher que o surpreendeu na casa onde se escondeu depois da noite fatídica. E ao longo dos 28 dias de fuga terá roubado vários automóveis, dinheiro e telemóveis que permitiram manter-se em fuga.

Esta sexta-feira, o depoimento do militar da GNR António Ferreira acabou por solidificar mais a tese da ex-mulher, que aparentemente o militar desconhece. António Ferreira contou em tribunal que na caixa aberta da pick-up onde seguia Pedro Dias e que estava estacionada numa zona isolada, junto à zona industrial de Vila Chã, em Aguiar da Beira, os dois guardas encontraram vários bidões com combustível e uma pequena mangueira. Uns estariam cheios e outros pela metade.

Os polícias não viram aí qualquer problema até que devido a uma discrepância de dados entre os documentos da viatura e a identidade do condutor decidiram fazer dois telefonemas, o último dos quais poderá ter contribuído para um dos militares assinar a sua própria sentença de morte.

É que se no primeiro telefonema os militares não detectaram nenhuma anomalia com a pick-up preta onde Pedro Dias seguia - que pertencia a uma ex-namorada que lhe continuava a pagar o seguro e as portagens - , o segundo telefonema poderia ter redundado numa detenção. O militar falecido, Carlos Caetano, ligara para os colegas da GNR de Fornos de Algodres que o avisaram que o homem que tinha à sua frente era perigoso e detentor de uma arma.

Foi isso mesmo que António Ferreira contou esta sexta-feira ao colectivo de juízes, relatando que isso dissera o colega instantes antes de sofrer o tiro fatal. Questionado pelo juiz-presidente sobre se era possível que Pedro Dias tivesse ouvido a conversa, o militar da GNR respondeu que sim. "Terá ficado com a impressão de que iam revistá-lo?", perguntou o juiz. "Sim", disse António Ferreira.

Militar não agrediu o suspeito

Já sobre a possibilidade do colega assassinado ter agredido Pedro Dias, uma pergunta repetida pelos advogados de defesa do arguido, o polícia respondeu que não.  “Era um bom profissional da Guarda. Respeitador”, fez questão de frisar.  Não conseguiu, contudo, dar qualquer explicação para o facto de a investigação ter detectado sangue de Pedro Dias pelo menos num dos carros em que fugiu.

A tese da ex-mulher casa que nem uma luva com uma diligência externa registada no processo que o PÚBLICO consultou no tribunal da Guarda. Trata-se de uma deslocação que os inspectores da Polícia Judiciária da Guarda fizeram à Cadeia de Custóias, no Grande Porto, para inquirir formalmente um recluso que dissera a um guarda prisional ter informações sobre o possível paradeiro de Pedro Dias.

O recluso contou aos polícias que ajudara pelo menos duas vezes Pedro Dias a roubar combustível em camiões. E descrevia com precisão alguns locais onde o suspeito costumava parar, incluindo a quinta de um amigo visitada várias vezes pelas autoridades.

Se esta tese tem correspondência com a verdade de Pedro Dias para já não é possível saber. Desde que foi detido a 8 de Novembro do ano passado, após ter dado uma entrevista à RTP, o arguido nunca prestou declarações à Justiça. Nem no primeiro interrogatório, nem na fase de instrução, nem agora no início do julgamento. Mas prometeu fazê-lo antes de este terminar.

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