Segurança privada ou ameaça pública?

Acabar com a complacência implica que se olhe para esta actividade de forma estrutural e não de forma episódica, como defende a Associação de Empresas de Segurança, e que sejam levadas à prática as alterações legais prometidas há mais de um ano.

Se não fosse um vídeo partilhado nas redes sociais — e reproduzido até à exaustão nos media —, as agressões à porta do Urban Beach teriam originado, muito provavelmente, mais uma queixa sem consequências. Seria a 39.ª vez que a PSP receberia, desde o início do ano, uma reclamação por violência e racismo naquela discoteca de Lisboa. Contrariamente ao que diz a administração do grupo proprietário da discoteca, esta não é uma questão de segurança pública; é uma questão de segurança privada. A Urban Beach está mais preocupada com o numerus clausus de negros na sua pista de dança do que em contratar bons profissionais.

Queremos mesmo acreditar, como prometeu Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, que o Ministério Público não será complacente neste caso de violência brutal (assim como nas igualmente bárbaras agressões de Coimbra). Porque o que temos visto até agora tem sido uma atitude displicente por parte da polícia e da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. No primeiro caso, as queixas constantes não surtiram qualquer efeito aparente até à divulgação do vídeo; a participação policial das agressões da madrugada de quarta-feira até foi registada um dia e meio depois, quando o vídeo já circulava por todo o lado, o que dá uma boa noção da urgência e gravidade que os polícias atribuíram àqueles actos repugnantes. No segundo, o órgão especializado no combate à discriminação racial recebeu, nos últimos cinco anos, quatro queixas contra esta discoteca, mas os processos “prosseguem os seus regulares trâmites legais”. A comissão vai levar mais tempo a apreciar a queixa de Nélson Évora do que o atleta a ganhar uma nova medalha.

Acabar com a complacência começa com o encerramento do estabelecimento sem possibilidade de contestação, como ordenou ontem o Ministério da Administração Interna, continua com uma investigação rápida e o eventual julgamento dos crimes praticados, e acaba com uma persistente inspecção a um sector nem sempre recomendável e que, por vezes, encobre práticas ilegais típicas do crime organizado. Acabar com a complacência implica que se olhe para esta actividade de forma estrutural e não de forma episódica, como defende a Associação de Empresas de Segurança, e que sejam levadas à prática as alterações legais prometidas há mais de um ano. Caso contrário, a segurança privada arrisca-se a ser uma ameaça à segurança pública.

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