“Crise Belém-São Bento vai ser superada" porque estão em causa "pessoas inteligentes"

Ex-candidato fala do "Contrato Presidencial" que apresentou faz hoje 12 anos e considera que muitos dos temas que abordou estão actuais.

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Manuel Alegre foi distinguido este ano com o Prémio Pessoa Daniel Rocha

Há 12 anos, Manuel Alegre, na qualidade de candidato à Presidência da República, apresentava-se ao país com um "Contrato Presidencial" no qual se pronunciava sobre um conjunto diversificado de questões que, na opinião do histórico militante do PS, se mantêm actuais “No essencial, subscrevo tudo o que escrevi no 'Contrato Presidencial' com que me candidatei, mas hoje teria sido um pouco mais crítico apenas em relação ao funcionamento da Europa, a esta divisão entre Norte e Sul", declara o também escritor que em 1999 recebeu o Prémio Pessoa.

O PÚBLICO revisitou o "Contrato Presidencial" e confrontou o ex-candidato a Belém com alguns dos temas que abordou na altura, aproveitando a oportunidade para também o questionar sobre a actualidade política.

“No 'Contrato Presidencial' falo da necessidade de repovoar o Interior, de relançar a agricultura, do ordenamento territorial, da descentralização, do problema demográfico, de uma sociedade de confiança, das desigualdades entre homens e mulheres, da emigração dos jovens qualificados, do crescimento económico sustentável, da solidariedade entre gerações e da questão dos poderes da Constituição”, resume o antigo deputado, que cita um estadista francês em apoio da sua visão premonitória. “Como dizia [Charles] de Gaulle, às vezes tem-se o azar de se ter razão antes do tempo.”

Na conversa com o PÚBLICO, antes de receber mais uma distinção - o Prémio Mais Alentejo, atribuído por uma revista -, Alegre evita deter-se nos poderes que a Constituição confere ao Presidente da República, que considera “adequados e suficientes”. “ [O Presidente] Não deve inventar mais nem restringir [os poderes] que tem. Não deve lançar mão de expediente que a Constituição não prevê para fazer valer a sua opinião”, declara, reiterando, quase ipsis verbis, o que escreveu em 2005 e vincando que “os órgãos de soberania têm que se respeitar uns aos outros”.

À pergunta se concordava com a forma como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reagiu à “tragédia dos incêndios” e ao empenho que tem colocado na questão dos sem-abrigo, o ex-candidato a Belém responde: “O que digo no 'Contrato Presidencial' é que o Presidente não governa, mas tem que ser um inspirador, um catalisador e tem que exigir aos outros órgãos que também cumpram as suas obrigações. Tem de ter uma magistratura de proximidade e de exigência”.

O antigo vice-presidente da Assembleia da República comenta as “boas relações” que diz “terem existido até agora” entre o Governo e o Presidente da República e observa que as mesmas “foram essenciais para a estabilidade política, para o crescimento económico e para a resolução de muitos problemas”. “Isso foi benéfico para o Presidente, que foi admitido e aplaudido à esquerda, e foi benéfico para o Governo, que também tranquilizou o centro-direita que estava aflito quando se constituiu aquilo a que chamam 'geringonça'. Essa relação de confiança, e até de uma certa empatia que existiu, foi essencial para este bom momento que o país atravessou”, acrescentou.

Quanto à “tragédia dos incêndios”, como lhe chamou, que fez mais de uma centena de mortos neste ano, o ex-candidato nota que neste caso as posições são diferentes: “Ao Governo compete tomar medidas práticas, ao Presidente compete uma coisa que é muito importante em política, que é uma palavra de conforto que foi importante para a opinião pública e também para o Governo”.

Alegre não tem dúvidas que o que aconteceu relativamente aos incêndios, primeiro em Pedrógão Grande e depois na região Centro, se prende com a “falência do Estado”. Mas vai mais longe. “O que aconteceu é o resultado de uma falência do Estado ao longo de décadas e décadas, da captura do Estado por determinados interesses, da sobreposição de interesses privados e de clientelismos ao interesse geral e ao interesse público. É o resultado de se ter abandonado a agricultura, de se ter vendido a agricultura a Bruxelas a troco de fundos comunitários que serviram para algumas coisas importantes, mas para outras, não, como aconteceu com algumas auto-estradas que não vão dar a lado nenhum”.

O ex-deputado socialista considera, por outro lado, que a relação que se estabeleceu entre Belém e São Bento "foi útil” na questão da “tragédia dos incêndios” e defendeu que deve haver uma “relação de confiança” entre Presidente da República e Governo. De resto, acredita que a crise dos incêndios, que fez tremer a coabitação Belém/São Bento, “vai ser superada pela necessidade, pela racionalidade e pelo interesse do país”, porque – frisa - “à frente da Presidência da República e do Governo estão pessoas inteligentes”.

Afastando um cenário de eleições legislativas antecipadas, o vencedor do Prémio Pessoa acredita que a "geringonça" vai cumprir a legislatura até ao fim. E vaticina, sem qualquer hesitação: “Vai haver estabilidade política, porque isso é do interesse do país e porque as pessoas são inteligentes”.

Manuel Alegre, que no dia 22 de Novembro vai receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Pádua, a segunda mais antiga do mundo, revela  que as eleições presidenciais são um capitulo encerrado na sua vida. E confessa que a sua candidatura a Belém, em 2011, contra Cavaco Silva e Fernando Nobre, foi “uma armadilha” em que caiu,“um erro” que cometeu. “Quando dei por mim, já era tarde. Já não podia recuar”, declara.

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