Uma tragédia (há setenta anos e os incêndios da floresta hoje). Hoje como ontem

Hoje como ontem, pede-se em uníssono atenção geral para que a precaução evite as tragédias repetidas dos incêndios nas nossas florestas, como também não se olvide o apelo das gentes da terra piscatória do “Cego do Maio”.

Um naufrágio no mar, no dia 1 de Dezembro de 1947, causou a morte de 153 pescadores portugueses ao largo de Matosinhos, numa noite de breu e tormenta. Eram homens da pesca e do mar, de vários sítios do norte de Portugal, mormente da Póvoa de Varzim, Caxinas, Espinho e Murtosa.

Ontem, o mar travesso sorveu aquela porção de vidas, deixando alguns cadáveres na praia e apenas seis sobreviventes para contarem a sua sorte desgraçada. Foi um dia de condições atmosféricas adversas em Portugal, de frio, em que nevou em muitos pontos do país.

Hoje, chamas sedentas ceifaram a vida a mais de cem pessoas, destruindo inúmeras habitações, além de terem deixado um rasto enorme de floresta ardida, causando estragos materiais ilimitados em estruturas de apoio, comunicações, e o ecossistema profundamente afectado.

Numa altura em que se debatem e questionam os fogos que varreram o país e a segurança das populações indefesas, juízos, quem sabe premonitórios, enviados da Póvoa de Varzim, lançam o alerta sobre as más condições de acesso dos barcos de pesca, devido ao mau estado da barra. Esta alusão à segurança nesse porto aponta para a urgente intervenção nessa infraestrutura, tornando-a convenientemente apetrechada, para acudir a naufrágios.

Quando se fala na limitação empreendida no porto de Leixões, mais vocacionado para o grande tráfego comercial, de querer reduzir o espaço de atracagem para barcos de pesca, que assim terão de rumar à Póvoa, impõe-se um novo e atento olhar sobre esta questão. As traineiras e pequenas embarcações que navegam da Galiza à Figueira da Foz teriam um ponto de apoio na costa, que surge como imprescindível, para que não se repitam mais desgraças. Outrora no mar, as ondas gigantescas, agora, em terra, as labaredas sedentas. 

Hoje, como ontem, não faltaram os alertas mas falharam os meios, a prevenção exigida, com uma catástrofe de enormes dimensões, num inferno jamais visto, que tolheu o homem e o subalternizou perante a inclemência das forças perversas da natureza.

Há setenta anos não havia televisão, mas todos podemos vislumbrar as imagens das mulheres e mães em desespero no areal à espera do nada e da impossível boa notícia que não chegava, como o mostra a famosa tela do pintor Augusto Gomes transposta para a peça escultórica, talhada por José João Brito, intitulada A Tragédia no Mar, existente na praia de Matosinhos (ver fotos juntas). Como também podemos presumir a expressão do padre Grilo de Matosinhos, desesperado, a irromper pelo Teatro Constantino Nery, parando o filme que rodava naquele momento, para informar da borrasca que se abatia por toda a costa portuguesa e tinha o seu epicentro em Matosinhos.

Vociferou então esse sacerdote, por ajuda rápida e necessária para as centenas de pescadores que estavam ao largo em barcos de pesca e traineiras. Corriam o risco de serem tragados pelo “mar que estava como um cão”. Era preciso socorrer os barcos e homens que tentavam escapar ao ciclone e vagas alterosas. Queriam chegar a terra e abrigar-se em Leixões para se salvarem. Eram cerca de cem embarcações em “companha”. Se cada barco tivesse quarenta homens, seriam à volta de mais de mil homens no mar. A estatística demonstrou depois serem milhares naquele dia na faina da pesca.  

A imprensa da época cobriu com rigor e exaustão o acontecimento nas suas páginas com os vários testemunhos que, naquela noite, viram barcos a desfazerem-se nas vagas, contra a areia e penedia. Presenciaram os enormes gritos e vozearia angustiante, mãos a acenar das embarcações a serem engolidas pelas ondas, ao largo da restinga do Cabedelo, na Madalena ou em Matosinhos. Foram assim espectadores do acaso de um horror. (ver foto que acompanha o texto).

Foram 153 pescadores que pereceram no mar de diversos pontos do nosso norte marítimo, num temporal que surgiu do nada, em dia de safra de peixe que se anunciava farta. “Á calma sucedeu a tempestade”.

Hoje como ontem, pede-se em uníssono atenção geral para que a precaução evite as tragédias repetidas dos incêndios nas nossas florestas, como também não se olvide o apelo das gentes da terra piscatória do “Cego do Maio”, o bravo e destemido salvador de vidas no mar, tão bem enaltecido por Abel Coentrão nas páginas deste jornal. Para que a Póvoa continue a ser a “Varezim” dos pescadores, um abrigo e ancoragem seguros e alternativa a Leixões, num justo tributo às gentes do mar”. Bem se deseja que as nossas florestas e matas respirem, sejam sumptuosas e uma fonte de merecido rendimento das gentes locais e não pasto de chamas assassinas.

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